Os computadores estão há mais de 50 anos em constante evolução. Hoje nossas máquinas têm um poder de processamento impressionante que talvez nem imaginássemos há 10 ou 15 anos atrás.
Por exemplo, você sabe quais são as configurações do computador que guiou a Apollo 11, a primeira missão espacial a chegar com sucesso na Lua (Spoiler: ele era a máquina mais avançada do mundo à época)? Naquele tempo em que se usava apenas registradores conversando entre si e nada de linguagem de alto nível o pc da Apollo tinha uma memória de 16 bits de comprimento. Se você não sabe como funciona o "comprimento" não se assuste, é que não se usa mais essa escala nos dias atuais. Em outras palavras é menos do que 16kb de memória. Já o processor tinha 2.048 MHz. Ah e ele pesava mais de 30 quilos.
Para que você tenha uma comparação em mente, o Playstation One, videogame totalmente obsoleto e com mais de 20 anos de idade, tinha 2MB de memória e 33.868 MHz de poder de processamento. Já o qause ultrapassado Playstation 4 tem 8 GB de memória e 1.6GHz de processamento...
E olha que estamos falando de videogames. Se formos falar de supercomputadores, como aqueles usados pelas agências de segurança, centros de meteorologia, cálculos financeiros e até pela própria Nasa, a diferença é incomensurável.
Mas toquei nesse assunto apenas para dizer que a evolução possível dos nossos computadores está para acabar. Estamos chegando no limite dos pcs, pelo menos da maneira como conhecemos. Por isso: VEM PC QUÂNTICO <3
O limite da nossa era
Os computadores existiam há mais tempo do que muita gente imagina. Afinal, se você analisar a palavra vai ver que ela descreve um mecanismo capaz de fazer cálculos. Só isso. Portanto, de maneira literal, um ábaco e uma calculadora mecânica já podem ser coniderados computadores.
Hoje, é claro, quando vemos a palavra logo pensamos em computadores modernos. A ligação da palavra com o tipo de máquina que conhecemos começou a surgir lá pelos anos 50, com a evolução da tecnologia impulsionada pela Guerra Fria.
Parece papo conspiratório, mas não é. Financiadas pelo governo americano as melhores empresas de tecnologia e os melhores cientistas do mundo começaram a pesquisar maneiras de criar mísseis melhores, comunicações mais estáveis, métodos de previsão de ataques, etc. etc. Foi daí que veio a internet, o satélite e a guinada na história da computação, por exemplo.
Foi daí que veio também o Vale do Silício (explicado em detalhes aqui) e com ele o transistor e o microchip. Sem esses 2 carinhas ainda estaríamos levando 1 dia para fazer uma simulação financeira de complexidade mediana.
Em termos bem gerais a potência de um computador é baseada em um fator simples: quanto mais transístores ali dentro mais poder de processamento ele terá. Simples assim. Com o avanço da tecnologia os transístores foram ficando cada vez menores e mais deles puderam ser colocados dentro de um microchip, deixando a distância que os sinais elétricos terão que percorrer ali dentro cada vez mais curtas, o processamento cada vez mais instantâneo, e, as máquinas cada vez mais potentes.
Assim identificou-se então um padrão que mostrava que a capacidade de processamento dos pcs dobraria a cada 24 meses, enquanto os transistores diminuiriam em uma escala inversamente proporcional. Gordon Moore que teve essa sacada sintetizou tudo em uma teoria que ficou conhecida como Lei de Moore (confira clicando aqui) e que por mais de 50 anos mostrou-se precisamente correta, pelo menos até agora.
Isso porque os transístores estão alcançando um tamanho mínimo onde será impossível continuar com a miniaturização, ou melhor, até pode ser possível, porém, ao custo de bilhões de dólares por chip.
O próximo modelo comercial - e provavelmente um dos últimos - deve sair nos próximos anos com cada transistor medindo míseros 5 nanômetros. Para você ter uma ideia, a espessura média de um fio de cabelo humano é de cerca de 80 micrômetros, convertendo para a mesma escala: 80 mil nanômetros; ou seja, de um lado a outro de um fio de cabelo poderiam ser enfileirados cerca de 16 mil transístores (eu disse de um lado a outro do fio e não de uma ponta a outra!!).
Menor que isso vai ser difícil, pelo menos comercialmente falando, já que, em laboratório, há alguns anos, pesquisadores conseguiram desenvolver um transistor feito com apenas 1 átomo. Produzir componentes neste tamanho é inviável em razão da complexidade e do custo que isso geraria. Mas imagine a velocidade que teríamos de processamento...
A boa notícia é que nem tudo está perdido, pois a física quântica nos diz que a escala subatômica (ou seja, valores menores do que 1 átomo) são perfeitamente normais. Nesse caso estamos falando deles: Os computadores quânticos.
Computadores quânticos
Primeiramente temos que entender que os computadores quânticos não são parecidos com os computadores baseados em transístores. E aqui caberia uma longa explicação do que é e como funciona a física quântica, mas esse material é tão complexo e instigante que merece um post somente para ele. Enquanto isso vamos aprender em linhas gerais o suficiente para compreender uma máquina deste tipo.
Regra número 1 da física quântica: Esqueça tudo o que você acha que sabe da física normal.
Regra número 2 da física quântica: Aqui é totalmente possível que uma partícula esteja em dois estados ou 2 lugares ao mesmo tempo. Já ouviu falar do Gato de Schrödinger em que o animalzinho pode estar vivo e morto ao mesmo tempo? Pois ele é a representação mais popular deste tipo de física. Agora é só passar esse pensamento para o computador e a forma como eles operam.
Por exemplo: um computador convencional tem sua memória composta de bits. Cada bit pode armazenar o valor "0" ou o valor "1", afinal, o computador somente entende a linguagem binária e nada além disso. Já no pc quântico não há bits, mas sim "qubits" do inglês "quantum bit" ou "bit quântico".
Os qubits são micropartículas suspenas por magnetismo em temperaturas pouca coisa acima do zero absoluto. Isso faz com que além de receberem o "0" ou o "1", é claro, é possível que eles se sobreponham, ou seja, estejam no mesmo local no mesmo tempo!! Esta é a chamada sobreposição, a principal característica da física quântica e o principal motivo da revolução causada pela nova geração de computadores. Enquanto no modelo tradicional os transístores compartilham a corrente elétrica fisicamente através de conexões, no modelo quântico toda a mágica é feita a partir dos anéis supercondutores com os quais os chips são produzidos.
Pense comigo: se a cada bit eletrônico convencional o bit quântico consegue ter os mesmos valores MAIS o valor da superposição, convém dizer que o qubit precisa de n bits para manipular a mesma quantidade de informações que um computador precisaria de 2n, considerando "n" como o número de bits. Esta convenção se chama "Superdense Coding", caso você queira ir mais a fundo. Resumindo de forma simples o que eu tentei explicar nesse parágrafo:
Agora é só manipular estes qubits e pronto, você tem um computador quântico.
Se no nosso modelo tradicional podemos chegar ao limite mínimo de 1 átomo por transistor, na computação quântica a miniaturização é praticamente infinita. No momento em que um qubit passa a trabalhar como fótons ou com prótons e nêutrons a coisa alcança um novo patamar. Pense comigo: uma molécula microscópica pode conter milhares de prótons e nêutrons, cada um deles com os seus spins orbitando tanto para cima como para baixo ao mesmo tempo, e mais: próximos à velocidade da luz.
Mas aí você me pergunta: Mas isso faz diferença na prática? Pois bem, se você tem uma máquina superpotente aí na sua casa talvez tenha 1 teraflop de cálculos por segundo e olha que você vai precisar de um suuuupercomputador. 1 teraflop corresponde a 1 trilhão de cálculos por segundo. Será que o seu pc faz isso?
Pois é, eu nem sei se há computadores domésticos com essa capacidade, mas o recordista mundial de supercomputadores (essa categoria existe, de fato) é o Sunway YaihuLight, da China que em 2016 marcou a bagatela de 93 petaflops por segundo (cada petaflop é 1 quatrilhão de cálculos por segundo). Ele é tão diferenciado que se forem somadas as pontuações do 2º ao 5º colocado, eles não vencem o grande campeão.
É, realmente você não deve ter um pc com 1 teraflop de processamento aí na sua casa. Mas o que isso interessa?
Bom, eu queria chegar no poder de processamento dos computadores quânticos. Um pc dessa categoria com apenas 30 qubits, sim, apenas 30, teria um poder de processamento de 10 teraflops, ou seja, 10 trilhões de cálculos por segundo (creio que um pc doméstico dificilmente passa dos 50 bilhões por segundo).
E para terminar essa parte complicada de cálculos por segundo, o maior supercomputador do Brasil, o Santos Dumont, localizado no Laboratório Nacional de Computação Científica , usa seus mais de 12 mil Gbs de memória e 10 mil núcleos de processamento para alcançar - em tese - um máximo de 657 teraflops. Ele é o número 471 entre os mais potentes do mundo.
Ficou ansioso para ter um desses em casa e jogar Minecraft? Saiba que eles já existem no dia a dia.
Eles estão entre nós
Mas calma lá. Um pc quântico para você que só assiste YouTube e baixa uns joguinhos não vai adiantar muita coisa (como veremos em detalhes no próximo tópico). Por enquanto eles são exclusividades de quem precisa de muito processamento e tem muito dinheiro sobrando.
A D-Wave lançou em janeiro deste ano o seu atual modelo de computador quântico, o 2000Q. A máquina tem o poder de processamento de 2 mil qubits e custa mais de 50 milhões de reais, ou, 15 milhões de dólares no valor declarado pra receita federal quando você importar o seu.
Como a empresa é a única do mundo a vender este tipo de tecnologia, ela tem "testadores" de peso como Google, NASA e Lockheed Martin, que após rodarem os testes iniciais anunciaram ter alcançado a marca de um poder computacional 100 milhões de vezes superior a um computador tradicional. Não entendeu o tamanho da grandeza? Então olha só: o que um bom computador doméstico levaria 10 mil anos para calcular o novo modelo da D-Wave faz em 1 segundo.
Com esse case não foi difícil achar o primeiro comprador, a Temporal Defense Systems, empresa americana se segurança digital. A máquina "revolucionará as comunicações seguras, protegerá contra ameaças internas e ajudará na identificação de adversários cibernéticos e padrões de ataque." disse James Burrell, diretor de tecnologia da TDS e ex-diretor adjunto do FBI.
Claro que nem todos colocam a mão no fogo pela máquina. Alguns céticos dizem que a empresa ainda não conseguiu desenvolver um pc quântico propriamente dito. Já a D-Wave discorda totalmente, é claro, e o Google e os demais beta testers não se pronunciaram. A questão se ele é o não é um pc quântico de verdade, ou se está ou não está revolucionando as pesquisas até foi tema da revista Nature
O que eles poderão fazer por nós
Nossos computadores são potentes hoje em dia, o computador da NASA ou da NSA mais ainda, porém, tem coisas que até esses supercomputadores demorariam ANOS para calcular, como, por exemplo, localizar todos os números primos de um grande conjunto de números racionais finitos. Mas para um computador quântico isso é brincadeira, feito em instantes, por exemplo.
Mas calma, ainda não há motivos concretos, ou, pelo menos, motivos próximos, para nós mortais ficarmos animados com a computação quântica. Ela não vão melhorar o FPS do seu jogo de tiro preferido ou iniciar o seu Windows mais rapidamente, pois (ainda) não consegue ser proveitosa em todos os tipos de tarefa. Na verdade, uma tarefa simples é, inclusive, mais demorada em um pc quântico do que no seu pc convencional.
A lista de coisas em que a computação quântica tem nos sido útil é bem restrita. HOJE as vantagens da superposição só podem ser emprefagadas em 3 cenários: fatoração, logaritmo discreto e simulações de física quântica.
Os logaritmos discretos, por exemplo, se você acha que são problema apenas de quem lida com matemática e números no dia a dia, está muito enganado. Toda a criptografia que conhecemos hoje é baseada em logaritmos discretos. Portanto, com um computador quântico estaríamos imunes a ataques como o do ransoware WannaCry que atingiu mais de 100 países no 1º semestre desse ano.
Exemplificando: Suponha que temos que quebrar uma criptografia X. Para isso usaremos o método da força bruta, ou seja, aquele que testa 1 por 1 de uma lista imensa de possíveis chaves. Não temos pista alguma de qual tem mais chance de ser a correta e o tempo de teste entre uma e outra é sempre o mesmo, então tanto faz a ordem que escolhermos para começar os chutes. Com um computador clássico teremos um problema (em complexidade algorítmica) de n/2 tentativas até encontrar a resposta, já em um pc quântico a complexidade é de de raiz quadrada de n. Não entendeu? Então pegue qualquer número e divida por 2, depois pegue o mesmo número e faça sua raiz quadrada, o último cálculo será SEMPRE significativamente menor.
Essa diferença é suficiente para encurtar o tempo de verificação de anos para segundos, por exemplo, dependendo do tamanho da chave. E esse era justamente o trunfo do WannaCry. Sua chave era tão extensa que demoraria meses para quebrarmos com a tecnologia atual, dessa forma se você não pagasse o resgate em alguns dias, adeus dados.
E se por acaso passou pela sua cabeça que então suas senhas e conversas do WhatsApp nunca mais estariam seguras, acertou em cheio. Há também esse lado da moeda. A única forma de criar uma criptografia inquebrável seria criar uma chave criptográfica maior do que a capacidade máxima de um computador quântico possível de ser construído. Caso você se interesse pelo tema busque por criptografia quântica.
Mas os benefícios não ficariam somente no campo da computação. Com um poder de processamento deste calibre nas máquinas todas as áreas da ciência humana seriam privilegiadas, desde o entendimento do mundo quântico na física até a medicina e o sequenciamento genético. Se você tem menos de 40 anos pergunte a alguém dessa idade como era o mundo antigo antes da popularização do computador. Podemos estar perto de passar por uma nova revolução. Mas claro, isso é com o tempo, ou vai dizer que o pc moderno já surgiu lá nos anos 60 fazendo as mesmas coisas que faz hoje em dia?
Os problemas dessa nova tecnologia
Mas alguns problemas - além do preço - ainda preocupam os cientistas. O maior deles é o chamado "bit flip" que acontece justamente por conta do qubit poder ter o valor 0 e o valor 1 ao mesmo tempo.
Assim enquanto esse "truque" pode aumentar drasticamente o poder de processamento da máquina ele também gera a maioria dos erros, já que quando o valor está em dois dígitos (2 em binário é "10") ele pode voltar inesperadamente a ser apenas o 0 ou o 1, desacelerando o poder de processamento instantaneamente. Além deste há também o "Phase flip", relacionado à troca de sinais quando os qubits estão com o mesmo valor simultaneamente.
E sem resolver esses problemas é impossível que a tecnologia possa ser desenvolvida em larga escala e possa finalmente chegar às nossas casas.
A boa notícia é que a equipe de pesquisa da IBM já resolveu esta parte criando um sistema que detecta e corrige o qubit defeituoso em tempo real, seja por conta de bit ou phase flip. O próximo passo, segundo eles, é desenvolver um método de fabricação em grande quantidade com baixo índice de erros.
A nós resta aguardar pelo pc quântico comercial nos próximos 10 ou 20 anos e com eles os benefícios inimagináveis. Abaixo um resumão super legal: