Neste momento há um veículo de aproximadamente 100 mil dólares viajando há uns 13 mil KM/h no espaço em destino a Marte, ou não, afinal não se sabe bem que rumo ele vai tomar, mas nós veremos isso mais a frente.
Pois bem, o que importa é que, neste momento, o Tesla Roadster - também conhecido como a primeira carga útil a ser colocada em órbita pelo foguete Falcon Heavy- está se embrenhando 40 metros a cada segundo que passa em direção ao espaço profundo. O evento que colocou o foguete em órbita - e também o Roadster - por si só já foi um divisor de águas daqueles que acontecem uma vez a cada 5 décadas e eu posso te garantir uma coisa: se você não está empolgado com tudo isso, é porque não entendeu bem o que tá acontecendo. Aqui tem uma pequena explicação sobre o que eu estou falando.
Mas ainda assim, por que tem um carro elétrico acoplado em um foguete ou então o que vai acontecer com esse carro a partir de agora, esse textinho vai te dar algumas coisas pra pensar.
Por que mandar um carro ao espaço?
A primeira pergunta que pode surgir quando se fala que tem um carro no espaço é: "POR QUE TEM UM CARRO NO ESPAÇO?"
Então, primeiro temos que ver as palavras do próprio Elon: "O Falcon Heavy tem 50/50 de chances entre explodir e dar certo". Assim, nenhum governo ou empresa em sã consciência iria confiar um projeto de milhões de dólares ou um estudo que está sendo desenvolvido há anos em uma loteria como esta. As chances de perda não compensavam as oportunidades de um lançamento gratuito (até porque tá fácil mandar algo pro espaço. A marca registrada da SpaceX é fazer lançamentos "quase de graça" em comparação ao que era cobrado até sua entrada comercial no mercado, em 2008).
E ninguém pode dizer que Elon não tentou enviar algo antes de mandar um de seus carros. Até decidir enviar um carro da Tesla ao espaço, sua própria montadora de veículos elétricos, ele conversou com a NASA e com o exército dos Estados Unidos. Ninguém quis se arriscar.
Levantar sem carga não faria muito sentido, já que a função do foguete que estava sendo testado é justamente ser um grande cargueiro espacial. O nome já deixa isso bem claro: "Falcon Heavy", ou "Falcon Pesado", já que ele é o maior foguete (em matéria de carga transportada) a ser colocado em órbita.
O veículo possui nada mais, nada menos do que 27 motores de propulsão, capazes de gerar mais de 2 milhões de quilos de empuxo (o equivalente a 18 aviões modelo 747), suficientes para levantar o foguete e suas até 63 toneladas de carga.
Não podendo levantar voo sozinho, Elon teve a brilhante ideia de incluir mais 1 recorde à história da SpaceX. A empresa, que já é a primeira companhia privada a colocar um foguete em órbita, a primeira a recuperar os veículos lançadores para reutilizá-los (para dizer apenas 2 feitos mais impressionantes dentre os 10 "primeira companhia a ..." que a marca possui) agora é também a primeira companhia do mundo a colocar um carro no espaço. A red car for the Red Planet, segundo as próprias palavras de Musk.
O que pode ser mais legal do que isso? Aposto que valeu cada um dos milhões de dólares investidos em pesquisa e desenvolvimento.
Para onde está indo agora o Tesla Roadster?
A missão tinha como objetivo inicial colocar o automóvel esportivo em direção à órbita de Marte. E caso você esteja pensando que já ouviu algo sobre Musk-Marte antes, você está correto e tudo faz sentido quando observado de longe: O Iron Man já deixou bem claro que o objetivo da sua vida é ser conhecido como o homem que deu início à colonização do Planeta Vermelho.
Assim, boa parte dos seus planos acabam convergindo para lá. O próprio Falcon Heavy já é um dos seus experimentos que visam à Marte. Faça as contas da tonelagem necessária de equipamentos e tudo mais que será necessário para estabelecer uma base no planeta a partir do zero e depois pense em quantas viagens seriam necessárias para transportar tudo em um foguete convencional.
O foguete "padrão" da SpaceX, por exemplo, o Falcon 9, em missões para Marte teria capacidade de pouco mais de 4 toneladas de carga. Já o Falcon Heavy a capacidade é de 16 toneladas para o mesmo destino (quanto mais longe, menos carga pode ser transportada). Seriam necessárias no mínimo 4 viagens de um FN para levar o que o FH levaria em uma só. Menos gastos e menos desperdício de tempo.
Mas voltando ao lançamento do Falcon Heavy, por ser a primeira vez que o foguete levantava voo, algo aconteceu fora do previsto: Os propulsores se mostraram mais poderosos do que o esperado e o lançamento acabou colocando a carga em órbita em uma velocidade maior do que a esperada, desviando assim sua trajetória e, consequentemente, destino final.
Após um recálculo de rota foi apurado que o foguete está impulsionando o Tesla Roadster em direção à região conhecida como cinturão de asteroides, situada entre as órbitas de Marte e Júpiter. No tweet abaixo Elon mostra o que aparentemente será uma rota aproximada após o desvio.
Ainda não se sabe se o veículo será atingido por asteroides ou não, mas segundo Elon há uma pequena chance dele chegar em Marte.
Já os pesquisadores da universidade de Toronto no Canadá decidiram que não poderiam esperar e resolveram calcular a possível trajetória do corpo celeste (sim, agora o Tesla é oficialmente um corpo celeste reconhecido pelo órgão que cuida de catalogar cada objeto que vaga pelo espaço). Segundo eles os cálculos são apenas aproximados, já que o Tesla mal saiu do planeta e ainda não houve tempo suficiente para demonstrar a trajetória para o qual está inclinado a percorrer (cálculos exatos precisariam de uma amostra de centenas de anos de trajetória prévia).
Mas mesmo assim algumas coisas legais puderam ser descobertas. Segundo eles o Roadster não vai durar mais do que 10 milhões de anos vagando no espaço e que, em bem menos do que isso (a partir de 1 milhão de anos), ele poderá cair ou na Terra (6% de chances de colisão) ou Vênus (2% de chances de colisão). Mas não se preocupe com os seus possíveis descendentes vivendo na Terra no momento de uma queda: Caso estivesse inteiro até então (o que logo veremos que não será possível) o Roadster se desintegraria no momento em que começasse a entrar em órbita.
Para aqueles que quiserem acompanhar a trajetória do carro no espaço foi criado este site onde é possível ver através de gráficos e mapas as datas e locais de maior aproximação com a Terra, onde ele está no espaço em tempo real, etc.
Mas enquanto esses 10 milhões de anos não passam, talvez você esteja pensando se não pode ocorrer algo mais pontual: Será que o carro vai queimar com o calor emanado pelo sol? Ou então será que irá derreter as partes feitas de plástico? Se você está com essa dúvida, continue lendo e veja o que eu descobri após ficar encucado com os mesmos questionamentos e ir pesquisar sobre o tema.
O que NÃO vai acontecer com ele no espaço?
A primeira coisa que você tem que pensar é que o carro não é como nós, e, portanto, ele não sofreria dos mesmos problemas que sofreria um humano à deriva no vácuo. Isso tem a ver com nossas pressões internas como ar dos pulmões, sangue sendo bombeado, etc. Algo que um carro não tem (muito menos um elétrico que não possui combustível líquido correndo em seu motor).
Assim, coisas como pressão e vácuo não são um perigo, mas e quanto ao sol? Por que o sol não faz ele virar um bola de fogo instantaneamente?
Primeiramente temos que entender uma coisa básica sobre espaço e o calor: Existem 3 maneiras do calor pode se dissipar segundo a física:
- Condução - Quando o calor passa de uma parte quente do sólido para a parte fria. Por exemplo: Coloque uma ponta de uma barra de ferro no calor e segure na outra. Logo você verá a parte em que está sua mão começar a aquecer;
- Convecção - Feita através do movimento dos fluidos, ou, de uma maneira mais fácil: Através de água ou gases. Um exemplo é o vapor quente que sai de uma chaleira no momento em que seu conteúdo ferve;
- Radiação - Por fim, o ÚNICO meio de propagação de calor no vácuo (consequentemente, o único a ocorrer no espaço e agir sobre o Tesla) e que manifesta por meio das ondas eletromagnéticas. O exemplo mais clássico é o próprio sol aquecendo a Terra.
Assim já dá para fazermos um importante apontamento inicial: O carro só será aquecido no momento em que receber incidência de luz do Sol o que nem sempre ocorrerá e, quando ocorrer, não irá atingir todo o carro ao mesmo tempo.
Com uma parte do veículo no sol e outra na sombra o lado aquecido distribuirá seu calor através da condução gerando um equilíbrio de temperatura. Mas daí você pode afirmar - com razão - que mesmo que haja um equilíbrio de nada adiantaria equilibrar 5 mil graus Celsius pelo veículo, porém, aí que está o ponto-chave ainda: O sol não tem esse poder de aquecimento.
Parece estranho, afinal o sol é a coisa mais quente que conhecemos: Seu núcleo tem uma temperatura de cerca de 15 milhões de graus Celsius e sua superfície de 5 mil, porém, aqui entra o questionamento que, na maioria das vezes, não temos sobre o sol: Por mais forte que ele seja em seu poder de gerar calor, temos que pensar também nas maneiras de PERDER calor.
Vamos lá: Para começar temos o fato de que o carro não tem calor próprio. Assim ele tem 0ºC. Para aquecê-lo é preciso um agente externo como o Sol. Ok, esse nós temos. Com o sol irradiando o Tesla o calor entra por um lado (lado que pega luz), migra para o lado mais frio (lado da sombra) e então irradia para o infinito e além. Sem uma atmosfera para segurar o calor, o processo de irradiação do Tesla é praticamente instantâneo. Da mesma maneira que entra de um lado, quase que no mesmo momento já sai do outro não permitindo um acúmulo de temperatura.
Além disso o carro ainda é um modelo conversível, sem um interior fechado que possa servir como uma "atmosfera simulada" ou qualquer coisa do tipo. Para ilustrar esse fato, vamos pensar na Lua. Parecida com o Tesla, ela não tem atmosfera e tá lá pegando calor de um lado, perdendo de outro. Nessas condições sua temperatura varia entre 127°C a -173°C, dependendo da quantidade de luz do sol que receber.
O segundo ponto a nos apegarmos para a compreensão de como o sol não afeta o Tesla é a distância. Mercúrio está a apenas 56 milhões de quilômetros do sol e tem uma temperatura de 425ºC (o que já não faria muito estrago a um carro convencional), agora imagine o Roadster que está a mais ou menos 151 milhões de quilômetros. 3 vezes a distância. Como a temperatura cai com o quadrado da distância, logo, 3 vezes de distância significa 9 vezes menos calor recebido, ou seja, aproximadamente 46ºC. Contribuição do leitor Alan Lohse no cálculo.
141 graus Celsius não podem nem mesmo derreter plástico aqui na Terra dependendo do tempo de exposição, quiçá um automóvel feito de uma liga de ferro e carbono super-resistente no espaço.
Um terceiro motivo a se considerar é o esmero dos engenheiros da Tesla que não são bobos nem nada. Se você olhar as fotos do carro vai ver que nenhum espaço com ar foi deixado, como nas lanternas do carro, por exemplo. A medida tem o mesmo motivo de terem escolhido um conversível para a missão.
Então já que o sol não vai acabar com o Tesla quer dizer que ele vai ficar por aí eternamente? Não. E por mais improvável que pareça o candidato mais provável a terminar com o carro não é um meteoro ou o poder de uma estrela, mas sim algo invisível.
O que vai acontecer com ele no espaço
O que irá destruir o carro ao passar do tempo será a radiação. Isso mesmo. Mesmo que o carro dê uma sorte danada e não se choque com um objeto grande o suficiente para lhe destruir ou então ser acertado por pequenos meteoritos que poderão lhe perfurar como cupins na madeira, a radiação vai dar cabo dessa esportivo.
A radiação cósmica é mais poderosa do que podemos imaginar já que estamos acostumados a ter aqui Terra um campo magnético poderoso e uma atmosfera eficiente que nos protegem (e protegem os Tesla Roadsters) das ondas nocivas emanadas pelo sol e outros emissores (inclusive a radiação proveniente do Big Bang que ainda está por aí vagando e interagindo com as coisas).
No espaço o Tesla não tem nenhuma dessas proteções, é claro. O que lhe deixa bastante vulnerável. Aliás, qualquer composto orgânico sujeito a uma radiação dessas teria o mesmo fim. E orgânicos nesse caso não são apenas os produtos de origem animal, como o couro dos tecidos, mas sim no sentido de química orgânica lá da escola, onde tudo que contém carbono na sua composição, logo todos os plásticos do carro e até mesmo o seu quadro de fibra de carbono, é algo "orgânico".
De acordo com William Carroll, professor de química da Universidade de Indiana, "[Esses materiais] são constituídos em grande parte por ligações carbono-carbono e ligações carbono-hidrogênio".
A energia da radiação estelar pode fazer com que as partículas dos elementos se movam, suas ligações "se encaixem" e o material fique tão frágil ao porto de parecer que o carro está se desfazendo como se fosse cortado com uma faca. "Quando você corta algo com uma faca, no final, você está cortando algumas ligações químicas", disse Carroll.
Mas não será exaaaatamente um corte com faca, já que uma faca corta essas ligações em linha reta, enquanto que a radiação irá dividi-las ao acaso, fazendo com que os materiais orgânicos - dos assentos de couro aos pneus de borracha e pinturas - em um espaço "curto" de tempo até seu corpo em fibra de carbono - no longo prazo - vão se esfarelar, literalmente, pelo espaço.
Qualquer coisa escondida atrás de um escudo inorgânico (sem ligações de carbono) duraria mais, embora, eventualmente até mesmo o tecido de plástico nos para-brisas de vidro do conversível viria a descolorir e se separar.
Eventualmente, o Roadster provavelmente seria reduzido apenas às suas partes inorgânicas: o quadro de alumínio, os metais internos e quaisquer partes de vidro que não sejam trituradas por algum impacto espaço afora. (E como dissemos acima, nem mesmo cogite a ideia de que o sol possa vir a derreter o vidro. Isso é absolutamente impossível).
E aí. Você imaginava que o grande vilão do Tesla Roadster não seria um meteoro? Deixe um comentario logo abaixo.
Para saber mais: Space Stack Exchange