Antes de você começar a ler este maravilhoso artigo, uma informação importante: Infelizmente ele não é de minha autoria, mas de Eric Berger, e foi publicado originalmente no site Ars Technica. Eu apenas tomei a liberdade de traduzi-lo para que mais pessoas possam ter a oportunidade de ler tal conteúdo.
A história foi dividida em 6 partes:
Parte 1 - Como um incêndio levou o homem à Lua
Parte 2 - A aposta de 50/50 que terminou com a vitória da Corrida Espacial
Parte 3 - O triunfo e a quase tragédia do primeiro pouso lunar
Parte 4 - A febre da Apollo segue viva na NASA
Parte 5 - Salvando a tripulação da Apollo 13
Parte 6 - Depois da Apollo, a NASA segue atrás de um bis
Agora sim, siga à leitura.
No verão de 1968, uma sensação de inquietação profunda tomou conta dos Estados Unidos. No outro lado do mundo, no início do ano, era lançada uma das maiores ofensivas da Guerra do Vietnã e a ilusão inicial de que seria uma vitória fácil e um embate de curta duração ficaria cada vez mais distante. Já nos Estados Unidos as relações raciais chegavam ao seu ápice em abril, quando uma única bala de rifle levou a vida de Martin Luther King, Jr. E tem mais: Dois meses depois o senador Robert Kennedy foi baleado na cabeça em um hotel. A imagem dos país nunca esteve tão desgastada quanto naquele momento.
Em meio a esta turbulência nacional nem mesmo o pessoal da agência espacial estava tendo folga. Estava chegando o momento em que eles teriam de decidir o que fazer da sua vida. Se a NASA realmente fosse cumprir o desafio estabelecido pelo presidente John F. Kennedy no início da década seus astronautas logo teriam que dar um salto sem precedentes e deixar a órbita terrestre baixa para entrar na gravidade da Lua. Mas eles deveriam fazer isso?
Um passo tão ousado poderia proporcionar um vislumbre de esperança para uma nação fragmentada Se tudo desse certo isso cimentaria a liderança dos Estados Unidos na Corrida Espacial contra a União Soviética e faria os americanos lembrarem do seu potencial de grandeza no cenário mundial. Mas um passeio ao redor da Lua também tinha riscos enormes. Se a NASA falhasse, seus sonhos da Lua morreriam juntos, quem sabe até a própria agência morreria. A NASA já havia perdido três astronautas durante um incêndio de lançamento no início de 1967 e nem o público nem o Congresso aceitariam mais três astronautas mortos.
A NASA decidiu prosseguir. Por causa dos riscos, a agência desenvolveu a missão Apollo 8 - em grande parte - em segredo, usando apenas nomes em códigos e apelidos. Seria o segundo lançamento humano da agência espacial desde o fogo na Apollo 1, e os seres humanos ainda não tinham entrado em órbita a bordo do enorme foguete Saturn V, imprescindível para a missão. Os problemas eram aterrorizantes: Se os astronautas alcançassem a órbita lunar, sua nave Apollo passaria periodicamente atrás da Lua e perderia contato com a Terra neste momento. Se o grande motor da nave falhasse para uma viagem de volta a tripulação morreria em uma órbita perpétua em torno da Lua presa em uma pequena tumba de metal a 240 mil quilômetros de distância de tudo o que eles conheciam e amavam.
Ninguém sabia melhor disso do que Chris Kraft, o diretor de operações de voo no Manned Spacecraft Center (que hoje foi renomeado para Johnson Space Center). Kraft, que esteve com a NASA desde o início, uma década antes, tinha uma reputação por manter tudo na linha. Então, quando Susan Borman descobriu que seu marido Frank tinha sido escolhido para comandar a missão Apollo 8, ela foi diretamente até Kraft para perguntar se ele voltaria vivo deste voo.
Ela sabia que antes que os humanos pudessem pousar na Lua, as equipes pioneiras teriam que voar ao redor. Ela sabia que alguém teria que dar esse primeiro passo fora da Terra. Sobretudo, ela temia que seu marido tivesse que pagar com sua vida o preço por fazê-lo. Os dois haviam se casado aos 22 anos, agora, quase duas décadas depois, eles tinham dois filhos adolescentes. Frank prometera à sua esposa que Apollo 8 seria o seu último voo espacial.
Quando Susan Borman perguntou a Kraft, o experiente diretor de voo, como ele se sentia sobre a missão que circundaria a Lua, Kraft não a enganou. Seu marido - disse ele - tem uma chance de 50/50 de voltar para casa com segurança.
Problemas de agenda
No verão de 1968 já fazia quase 2 anos que a NASA não havia astronautas ao espaço - desde o fim do programa espacial Gemini. Então, antes que Frank Borman pudesse comandar uma missão para a Lua, a NASA queria primeiro entrar em órbita mais uma vez após a Apollo 1.
A investigação sobre o fogo da plataforma de lançamento levantou todos os tipos de problemas com a cápsula da tripulação e resultou em um redesenho da nave espacial atualizado com mais de mil mudanças e melhorias. A missão de teste de tudo isso consistiria em levar o módulo novo e atualizado até a órbita terrestre baixa para uma missão de "vai ou racha" e permanecer (relativamente) perto do solo, caso qualquer coisa desse errado. Este voo tornou-se conhecido como Apollo 7.
Inicialmente a NASA também planejava pilotar a missão Apollo 8 em órbita terrestre baixa, levando assim o delicado módulo lunar para o espaço pela primeira vez. Nada até então havia sido construído como aquele módulo lunar: ele iria operar apenas no vácuo do espaço e, portanto, não precisaria de blindagem pesada. Consistindo de um estágio que desceria até a superfície lunar e um outro, menor, que iria levantar voo e escapar da gravidade do satélite, o veículo combinado pesava cerca de 15 toneladas, sendo que dois terços eram combustível.
O peso do módulo lunar foi um problema até o final do seu design. Ele precisava de uma quantidade considerável de energia - combustível de foguete a ser queimado, neste caso - para lançar toda aquela massa até a órbita terrestre baixa e, em seguida, quase que ainda mais combustível para ir de lá até a superfície da Lua. Assim a NASA ofereceu ao construtor do módulo, a Grumman, pouco mais de US$ 100.000 por cada quilo que fosse removido com segurança do veículo. Como resultado, as paredes do módulo lunar tinham a grossura de três folhas de papel alumínio.
"Foi uma máquina construída para economizar peso", disse Kraft em uma entrevista. "Tinha que ter os materiais mais leves possíveis e, portanto, era frágil. Essa é a única maneira que eu tenho de descrevê-la."
De acordo com as lendas da NASA, relatada em Apollo: The Race to the Moon, um técnico que trabalhou com uma versão de teste do veículo descobriu da pior maneira como a nave era frágil: ele usou um tanque cheio de combustível para apertar a tampa da sua caneta. Esta pequena quantidade de pressão foi suficiente para abrir um vazamento no tanque e cortar seu dedo com precisão cirúrgica por conta da fina corrente de propelente liberada.
Após os inevitáveis atrasos decorrentes da invenção de um novo tipo de nave espacial, a Grumman finalmente entregou o primeiro módulo lunar no Cabo Canaveral no verão americano de 1968. Quase que imediatamente os técnicos e engenheiros acharam que o resultado tinha ficado ainda mais delicado do que temiam. A fiação parecia ter sido revestida de seda e que iria quebrar a qualquer momento com facilidade. Os sistemas críticos também não funcionaram. Apesar das esperanças da NASA de pilotar o módulo lunar antes do final de 1968, o veículo não era digno de ir ao espaço. Para piorar, qualquer atraso significativo para deixar o módulo em forma iria bagunçar todo o planejamento da missão, potencialmente empurrando o primeiro desembarque na Lua para a década de 1970.
Ao longo da primavera e do verão de 1968, George Low, gerente do programa de nave espacial Apollo, preocupou-se com o módulo lunar e ponderou a programação de voos para o desembarque na Lua. Com as mudanças no módulo de comando após o fogo da Apollo 1, Low sentiu como a cápsula também precisasse de melhorias. Seria um bom teste em outubro daquele ano com o voo da Apollo 7. O foguete Saturn V tinha voado duas vezes até então e, ao invés de voar o módulo lunar, Low imaginava o que ele poderia fazer somente com o módulo de comando e seu enorme foguete.
No final do verão, ele teve sua resposta.
"My lord, that’s a big step."
Em um dia quente e úmido de agosto em Houston, Low chamou Kraft para o escritório dele no Manned Spacecraft Center. Eles caminharam juntos para se encontrar com Robert Gilruth, que liderou magistralmente o Space Task Group - grup que tratou da fundação da NASA -, além de supervisionar os esforços da agência para colocar um humano no espaço. Reverenciado por seus colegas, Gilruth agora gerenciava o centro de voos espaciais de Houston. No escritório de Gilruth, Low esboçou seu plano para ignorar as missões de teste do módulo lunar por enquanto e usar o foguete Saturn V para enviar a nave espacial Apollo 8 ao redor da Lua.
Kraft lembra Low perguntando a ele e Gilruth: "Você acha que nós poderíamos fazer isso?". Eles responderam com cautela já que a tragédia da Apollo 1 ainda estava fresca nas mentes de todos. Eles também sabiam que enquanto isso os preparativos para a Lua ainda estavam evoluindo: O programa Apollo estava lutando para desenvolver os softwares para voos lunares, e os engenheiros estavam tendo todos os tipos de problemas com os simuladores. Kraft e Gilruth também se preocuparam com o risco extra de adicionar um sobrevoo lunar logo no primeiro lançamento tripulado de Saturn V. Qualquer atividade realizada em uma operação sozinha já era tinha uma chance enorme de dar errado, mas se realizadas em conjunto o risco era muito maior. Eles queriam algum tempo para pensar sobre isso.
Kraft voltou ao escritório e reuniu alguns de seus homens. Ele queria aceitar a ideia de Low - pular uma missão os faria ganhar uma vantagem enorme e visível sobre os soviéticos e isso despertou sua alma do patriota -, mas Kraft não estava seguro de que as operações da missão pudessem acontecer em tão pouco tempo. Para manter o programa Apollo dentro dos prazos, esta missão teria que ser lançada nos últimos 10 dias de dezembro. A NASA só teria cerca de 16 semanas para planejar e executar um sobrevoo lunar. Depois que Kraft contou a sua equipe sobre o plano, ele pediu que pensassem sobre isso durante a noite.
"Na manhã seguinte cheguei ao escritório por volta das 7 horas e meu telefone estava entupido", lembrou Kraft. "Eu tinha recebido mensagens desde às 5 horas da manhã." Seus engenheiros haviam pensado sobre o assunto e eles poderiam fazer aquilo. Eles gostaram do desafio. Além disso, eles não queriam apenas voar pela Lua - eles queriam entrar em órbita ao redor do satélite da Terra.
Esta foi uma sugestão ousada empilhada em cima de outra sugestão ousada. Teria sido muito mais simples lançar-se para a Lua em uma "trajetória de retorno livre", que basicamente seria a nave espacial Apollo ser arremessada à Terra após seu sobrevoo usando apenas a própria gravidade da Lua, sem que a equipe tivesse que fazer algo. Em tal caminho, mesmo que o motor principal da nave falhasse, a física asseguraria que a cápsula retornaria de maneira segura ao planeta. Mas entrar em órbita era diferente e exigia que o poderoso sistema de propulsão do módulo de comando disparasse com precisão para colocar a nave espacial em órbita. Mais criticamente ainda, o motor teria que disparar novamente para que a tripulação pudesse voltar para casa.
No entanto, os engenheiros da Kraft tinham boas razões para assumir os riscos adicionais. Dois anos antes, para estudar melhor o nosso satélite e identificar os locais de pouso mais apropriados, a NASA lançou uma nave espacial robótica para orbitar a Lua. Ao passar por cima da superfície empoeirada e cinza percebeu-se que essa nave vagava milhares de metros distantes do ponto em que deveria estar, de acordo com os cálculos. A resposta para o problema veio em 1968 quando os cientistas perceberam que havia lugares na superfície lunar com concentrações de massa muito maiores ou muito menores e isso causava desequilíbrios gravitacionais que haviam puxado a nave para fora das órbitas prescritas.
Os engenheiros perceberam que se o módulo de comando pudesse dar várias voltas em torno da Lua, os astronautas poderiam mapear algumas dessas concentrações de massa, proporcionando um enorme impulso aos cálculos da trajetória para futuras missões lunares. Durante um voo orbital os astronautas também poderiam tirar fotografias de alta resolução da superfície lunar para ajudar os cientistas a identificar os locais de aterrissagem mais seguros. Isso fazia sentido para Kraft, mas ele tinha que convencer Low e Gilruth - que, por sua vez, teria que convencer os gerentes da agência em Washington.
"Eles tiveram a mesma reação que eu", disse Kraft. "'Meu senhor, esse é um grande passo.' Eu disse a eles que sim, era um grande passo, mas eventualmente teríamos que fazer aquilo. Eventualmente, teríamos que descobrir os modelos gravitacionais se vamos pousar na Lua. Vamos precisar dessa informação no computador do módulo lunar ".
Refletindo sobre a missão Apollo 8 quase meio século depois, Kraft falou sobre as discussões que se seguiram. Algumas figuras-chave, como o designer alemão de foguetes Werner von Braun (que criou o Saturn V entre outros) abraçaram imediatamente a causa enquanto outros temiam que um fracasso estivesse a caminho e que um acidente desse tipo poderia matar o programa de ida à Lua. No final das contas, eventualmente todos, incluindo o presidente Lyndon Johnson, aprovaram a medida.
"Foi assim que chegamos ao Apollo 8", disse Kraft. "Parece simples agora".
Começava a corrida de 16 semanas para a Lua.
A corrida pelo espaço começa a esquentar
Se Low, Gilruth, Kraft e outros gerentes tiveram dúvidas sobre a Apollo 8 voar até a Lua durante o outono de 1968, eles logo tiveram um incentivo que pode ter "aligeirado" tudo. Depois de ficar para trás do programa Gemini da NASA, a União Soviética estava se preparando para fazer um último esforço e ganhar a corrida espacial até a Lua. E parecia perfeitamente possível que eles pudessem vencer.
Em 14 de setembro, uma versão modificada da nova nave espacial Soyuz foi lançada de Baikonur, no Cazaquistão, a bordo de um poderoso foguete Proton. A missão, Zond 5, carregava uma pequena colônia de seres vivos para a Lua, incluindo duas tartarugas, lombrigas intestinais, moscas, entre outros. Durante o seu voo circumlunar, Zond 5 chegou a 2.000 km de proximidade com a superfície lunar. Os soviéticos já haviam conseguido enviar animais para a órbita uma década antes (cadela Laika) e derrotaram os Estados Unidos na chagada à órbita da Lua com uma carga similar.
Felizmente para a NASA, os esforços do governo americano em espionar o rival comunista deu certo e a agência ficou sabendo que o sistema de frenagem da nave espacial soviética falhou no caminho de volta à Terra. Em vez de fazer um pouso secreto sobre as estepes do Cazaquistão, Zond 5 acertou com tudo no Oceano Índico. Como parte dos jogos de espionagem da Era da Guerra Fria, o destroyer USS McMorris, estava observando dois navios de recuperação soviéticos por lá. Todos convergiram para a zona de desembarque e os marinheiros a bordo do McMorris tiraram fotos quando os soviéticos recuperaram a cápsula e seus atordoados - mas vivos - "tripulantes".
Essa informação colocou a NASA em cheque com a possibilidade muito real de que os russos estivessem trabalhando para alcançar a Lua e pudessem ter um plano viável para fazer os humanos chegarem lá antes deles. Além disso havia várias janelas de lançamento que se aproximavam rapidamente e que os soviéticos poderiam usar.
Perder mais esta seria difícil de engolir. Durante o programa Gemini em 1965 e 1966, a NASA havia sobreposto as conquistas soviéticas no espaço com suas caminhadas espaciais prolongadas e suas delicadas manobras de ancoragem. Além disso os EUA ainda tinham o programa espacial mais sofisticado, porém ainda assim eram os soviéticos que tinham acabado de enviar algumas criaturas ao redor da Lua. Certamente, os próximos voos da Zond poderiam levar um humano em sua cápsula.
Mesmo que os soviéticos não pousassem na superfície lunar, as imagens de cosmonautas radiantes vindas do outro lado da Lua permitiriam aos russos reivindicar a vitória. Esta perspectiva foi o suficiente para manter os engenheiros da NASA acordados a noite toda durante o outono e início do inverno de 1968.
Almirante McCain
Devido à dinâmica dos planetas, uma missão para a Lua em dezembro teria que partir durante os últimos 10 dias do mês, não antes disso. Para a NASA, passar o Natal na Lua só aumentaria os festejos. Mas para completar suas missões, a NASA também dependia da ajuda de outras partes do governo, particularmente a Marinha dos EUA.
Os navios que a NASA precisava para recuperar seus astronautas não estariam estacionados no mar, mas ancorados em Pearl Harbor e alguém teria que ir perguntar à Marinha - implorar, na verdade - para que fossem designados milhares de marinheiros e oficiais comandantes àquilo que eles precisavam. A cápsula da Apollo 8 aterrissaria no Oceano Pacífico apenas dois dias depois do Natal. No entanto, seria preciso que os marinheiros dos EUA suspendessem o feriado e se apresentassem dias antes para o serviço.
No final de novembro, caiu para Kraft a missão de voar para Honolulu, capital do estado do Havaí, onde ele se encontraria com o comandante da Frota do Pacífico, John McCain Jr. (pai de John McCain, político que perdeu as eleições da presidência dos EUA, recentemente). Kraft esperava que a perspectiva de uma missão lunar bem-sucedida levantasse o humor do almirante junto com o resto do país.
No Havaí, Kraft se viu no centro das atenções de uma sala de conferências de estilo anfiteatro repleta com cerca de 100 capitães e almirantes da marinha, incluindo o próprio McCain sentado no meio da primeira fila fumando um charuto com voracidade. O diretor de voo da NASA apresentou os planos da agência para a missão e como seria útil mostrar a grandeza dos EUA no espaço. Então Kraft chegou ao ponto. Os navios seriam necessários no mar desde antes do lançamento até o Natal. Sem a ajuda da Marinha, os comunistas podem ganhar a corrida espacial.
A resposta inicial de McCain foi o silêncio. Então, Kraft lembra, o almirante levantou-se e jogou o charuto sobre uma mesa. Ainda hoje, Kraft irradia na memória desta reunião: "Ele disse: "Essa é a melhor informação que eu já ouvi, dê a esse jovem o que ele quiser".
A NASA estava indo para a Lua.
O melhor natal de todos
Uma das razões para McCain ter colocado seus marinheiros à disposição pode ter sido o crescente desconforto nacional. Em novembro, o país havia sofrido uma disputa presidencial, exacerbando as falhas internas e terminando com Richard Nixon como presidente de uma América despedaçada.
Os problemas de direitos civis também fervilhavam. A aeronáutica norte-americana estava construindo as cápsulas que iriam na Apollo em suas instalações em Downey, na Califórnia, onde a fábrica estava a poucos quilômetros de Watts, que em 1965 tinha sido o local de grandes distúrbios raciais, saques generalizados e incêndios criminosos depois que relatos de brutalidade policial inflamaram a população. Trinta e quatro pessoas morreram.
"Eu certamente estava em sintonia com o que vinha acontecendo no país na época", lembrou Chester Vaughan, que liderou a equipe da NASA no desenvolvimento dos propulsores de controle de reação da cápsula. "Estávamos um pouco isolados disso, mas não totalmente, porque quando viajávamos para a área de Los Angeles, havia muitas coisas ruins acontecendo. Foi muito visível para nós. Tínhamos muito cuidado com as estradas que tomávamos".
Enquanto trabalhavam na missão, finalizando a nave espacial Apollo que levaria a humanidade para a primeira viagem ao espaço profundo, os 400.000 homens e mulheres envolvidos no programa sabiam que se encontravam sobre uma linha tênue entre triunfo e tragédia.
"A sorte é importante", lembrou Vaughan. "Nós não contamos com ela. Nós fazemos tudo o que podemos para ter certeza de que não precisamos ter sorte, mas quando precisamos e, de fato, somos sortudos, isso também é bom ".
Então, quando Vaughan e o resto do programa espacial assistiu o momento em que a Apollo 8 era levada aos céus pelo seu monstruoso foguete Saturn V, eles não ficaram tão felizes. As coisas difíceis estavam mais à frente. O primeiro grande teste ocorreria três horas depois do lançamento, quando a tripulação saiu da órbita terrestre baixa. Até então, nenhum humano havia se aventurado a mais de 1400 quilômetros de casa, a altitude alcançada pela missão Gemini 11. Menos de dois minutos depois de ligarem seus motores em direção à Lua, Frank Borman, Jim Lovell e Bill Anders ultrapassavam a marca, e, como Tom Hanks diria no filme Apollo 13, de Ron Howard, colocaram Sir Isaac Newton no banco do motorista.
Felizmente, a Apollo operou quase sem falhas durante a viagem de dois dias e meio para a Lua. Toda vez que a tripulação precisava do motor da nave espacial para fazer uma queima precisa ele respondia sem problemas. Os membros da equipe ainda tiveram tempo para duas transmissões de televisão que tinham como objetivo celebrar aquele fato histórico.Na manhã da véspera de Natal, a cápsula de Apollo entrou na órbita do satélite. A tripulação ficou lá por 20 horas, e nesse tempo conseguiram fazer mais de 700 fotos da superfície lunar durante várias órbitas. Anders capturou a foto "Earthrise" (imagem acima), provavelmente a foto mais emblemática já feita por um astronauta, onde a humanidade surgia acima do horizonte lunar.
Durante sua penúltima órbita, às 21:30 da noite véspera de Natal, a equipe fez sua terceira transmissão de televisão. Com cerca de um bilhão de pessoas assistindo, cada astronauta descreveu o que sentia enquanto observava a Lua voar além deles a 110 km de distância. Ali estava outro mundo, logo depois de suas janelas. "A grande solidão aqui em cima é impressionante", disse Lovell.
Depois disso, Anders disse que a tripulação tinha uma mensagem para todos assistindo, e cada astronauta leu uma seção do Gênesis. Para um engenheiro como Vaughan, que tinha dedicado uma década de vida a construir uma nave espacial para esse propósito, assistir os seres humanos voarem ao redor da Lua pela primeira vez o emocionou. Então começou a leitura do Gênesis. Em primeiro lugar, Vaughan não entendeu o que estavam lendo na transmissão de áudio. Mas então ele conseguiu.
"Eu tive arrepios por toda parte", disse ele. "Quando esses caras começaram, foi só: ei, cara, esse é o melhor Natal de sempre".
Papai Noel
Enquanto isso, o controlador de voo Rod Loe sentou-se em seu lugar na sala de Controle de Missão durante a surpresa da véspera de Natal da equipe. Ele se inclinou sobre o seu registro de voo enquanto a leitura do Gênesis progredia, na esperança de que nenhum dos seus companheiros notassem as lágrimas brotando em seus olhos.
O jovem controlador de voo havia crescido em Beaumont, Texas, e se formou como engenheiro da faculdade local em 1961. Tamanha eram as oportunidades para os jovens engenheiros que, menos de quatro anos depois, Loe encontrou-se dentro da competição da corrida espacial.
Durante as missões Gemini, Loe monitorou as comunicações com a nave espacial e seus sistemas elétricos e ambientais. Quando o programa Apollo começou em 1967, o garoto de Beaumont já era um dos controladores de voo mais experientes da NASA, além de já estar sendo preparado para assumir cargos mais altos.
Loe estava entre os primeiros controladores de voos contados sobre o arriscado plano da NASA em sobrevoar a Lua com a Apollo 8. Ele lembrou-se de ouvir sobre a mudança quando seu chefe da departamento, Arnie Aldrich, o arrastou para uma reunião no escritório da Kraft. Frank Borman, o comandante da missão, estava lá, juntamente com um punhado de outros controladores de voo. Kraft perguntou se alguém sabia do motivo pelo qual o voo não podia ser feito.
"Eu lembro que ninguém tinha um bom motivo", lembrou Loe. "Chris disse que ia pensar sobre isso".
Após essa reunião, Loe disse à Aldrich que ele concordaria com qualquer cargo de gerenciamento que lhe dessem caso pudesse permanecer no console, como um controlador de voo, durante a Apollo 8. Para Loe, entrar na órbita lunar voando o módulo de comando ao redor da Lua representaria o ápice do programa Apollo.
"Foi aí que fizemos a nossa coisa", disse ele. "Essa foi a nossa parte da missão que permitiria ao homem subir e orbitar a Lua. Para nós, isso foi uma grande coisa. Essa foi a grande coisa ".
Loe recebeu seu desejo na forma de um assento na primeira fila para a leitura da véspera de Natal. No entanto, o Controle da Missão tinha pouco tempo para as emoções, já que o momento mais crítico do voo ocorreu cerca de quatro horas depois que a tripulação da Apollo 8 fez sua transmissão natalina. Enquanto se encontravam na parte de trás da Lua, sem maneira de se comunicar, Borman teve que disparar o poderoso motor da nave espacial por mais de dois minutos, aumentando a velocidade da cápsula em mais de 3.800 kmh. Essa aceleração faria o módulo de comando escapar da órbita lunar e colocaria os astronautas em uma trajetória de volta à Terra.
O motor SPS era o motor mais confiável que os humanos podiam inventar e, com exceção da câmara de impulso e do bico, cada componente tinha pelo menos um peça igualzinha. Na prática eram dois motores completamente separados que compartilhavam uma câmara de impulso comum. No entanto, para toda a sua redundância interna, o próprio mecanismo SPS era um único ponto de falha sem nenhum backup. Se não disparasse, ou se não proporcionasse a alteração suficiente e necessária na velocidade, ou ainda se o computador desligasse o motor antes do previsto, a nave espacial permaneceria em órbita ao redor da Lua e a tripulação morreria. O motor tinha que funcionar.
Durante esta fase de apagão enquanto passavam por trás da Lua, cerca de 1h da madrugada do dia de Natal em Houston, Loe descreveu o humor dentro do Controle da Missão como silencioso, apreensivo e nervoso. Em algum momento, quando algumas conversas surgiam, Kraft ladrava: "Você poderia calar a boca por aí?". O silêncio continuava, mais ou menos, por uns 15 minutos até que a cena se repetia. Assim foi até a nave espacial escapar da cortina da Lua. "Houston, Apollo 8, câmbio" disse Lovell, o piloto do módulo de comando, finalmente transmitindo para a equipe em Terra. Depois de um contato de Ken Mattingly no Controle de Missão, Lovell disse que tinha outra mensagem especial da tripulação a ser transmitida para o mundo inteiro que os assistia: "Por favor, fiquem sabendo que lá tem um Papai Noel". A nave espacial veio pelo caminho imposto pela curva da Lua exatamente como planejado. Todas as matemáticas estavam corretas e todo o maquinário havia funcionado. Foi uma incrível validação pública de anos de esforço. O Controle da Missão ficou em êxtase. O perigo ainda não havia terminado. Nenhum homem já havia retornado através da atmosfera da Terra caindo a quase 40.00 kmh, velocidade na qual Apollo 8 foi arremessada da Lua. Mesmo assim, disse Loe, ele sentiu como se pudesse relaxar um pouco depois que a equipe se colocou em uma trajetória de retorno. Dois dias depois, os astronautas acertaram o oceano Pacífico. Entre os outros navios da Marinha que a Kraft havia garantido presença, o porta-aviões USS Yorktown estava em cena. Um helicóptero levantou os homens, um por um, da nave espacial e os levou para o transportador, onde um tapete vermelho os esperava. A tripulação estava segura, finalmente. O Controle da Missão foi tomada por uma celebração prolongada com direito a seus costumeiros cigarros. Para Loe e os outros controladores de voo, a festa mudou-se para a pousada Flintlock Inn na NASA Road 1. Hoje, a estrada é uma rodovia elevada de seis pistas, e a pousada se foi, substituída por um parque de minigolfe. Mas durante esses tempos mais simples, a estrada era apenas quatro pistas, e os carros lotaram as do meio quando o estacionamento da pousada já não suportava mais nenhum veículo. Os controladores trabalharam duro, mas depois de uma missão bem-sucedida, festejaram muito também. À medida que as festividades entravam para a história, Loe lembra que ele e um dos lendários operadores da missão, John Aaron, não foram imediatamente se juntar ao tumulto. Em vez disso, ficaram de fora do Flintlock, assistindo os carros passarem. A guerra, os protestos e os assassinatos nublavam o futuro do país. Mas esta missão trouxe alegria para o mundo e aliviou algumas das dúvidas sobre a América.
"Orgulhosos de serem americanos"
Quando um dos diretores de voo da Apollo 8, Milt Windler, perguntou por que eles não estavam no andar de cima, Loe respondeu. "Só estamos aqui parados, orgulhosos de ser americanos", disse ele.
Era difícil não se orgulhar do feito. Quase um terço de todos os seres humanos vivos tinha assistido ao evento. Até mesmo as televisões da União Soviética haviam feito a transmissão. Kraft, Vaughan, Loe e 400 mil outros envolvidos no programa Apollo derrotaram os soviéticos. E, no entanto, neste momento, parecia que Apollo transcendera até mesmo a Guerra Fria.
Ao atingir a Lua, os humanos encontraram algo inesperado; os astronautas não ficaram tão atraídos pela superfície lunar como por sua nova perspectiva em casa. Durante a transmissão da Noite de Natal, Lovell tentou expressar o que parecia sentir ao observar a Lua lá em cima dizendo: "Isso faz você perceber exatamente o que você tem lá na Terra".
O texto acima pode ser acompanhado em um vídeo produzido também pelo site Ars Technica onde podem ser vistas entrevistas dos astronautas e de quem mais participou deste momento histórico (em inglês).