O que você faria com algumas horinhas extra se não precisasse mais "perder tempo" almoçando, tomando café da manhã ou jantando? Seria legal emagrecer enquanto sobra energia no dia a dia e a vontade de cair em tentação do fast food desaparece? Ou então se manter bem-alimentado sem precisar matar nenhum animal? E se tudo isso fosse tão barato quanto um almoço convencional e você ainda estivesse ajudando a criar um mundo mais sustentável?
Pois essas são algumas das vantagens do Soylent, um produto que leva para dentro da sua casa pratos de comida completos, saudáveis, rápidos, práticos e com apenas 1 detalhe: Tudo isso não será servido em pratos, mas sim em copos.
Prepare-se para conhecer o Soylent, pois está será a primeira de muitas vezes que você ouvirá falar desta comida tecnológica que não é beeem uma "comida", mas que está mudando o jeito como consumimos nutrientes e vivemos. E por mais estranho que pareça ela pode ser tão boa para o seu corpo quanto é para o planeta.
Por que criar uma comida líquida?
Comer talvez seja a única coisa que não mudou desde que o homem surgiu na Terra. Temos o fogo, as fazendas e os rebanhos e pronto. O resto é decorrência direta do processamento destes elementos. Mas se depender da tecnologia isso pode mudar em breve.
Tudo começou com Rob Rhinehart, um engenheiro de software que não entendia o porquê de a alimentação não acompanhar a evolução natural das coisas que nos cercam que vão desde o jeito como nos locomovemos e vestimos até a própria maneira com a qual interagimos com outras pessoas.
Com essa ideia básica ele usou seus conhecimentos rudimentares em nutrição para fazer algumas misturas e desenvolver uma fórmula que contém tudo (ou quase tudo) que um humano adulto precisava para ser saudável.
Para provar que sua mistura funcionava Rob decidiu que viveria daquilo pelos próximos 30 dias e, caso houvesse mais alguém interessado pelo assunto, ele tratou de registrar toda a experiência em um blog. Inesperadamente o blog começou a ganhar atenção e ele viu que mais pessoas pensavam da mesma maneira. Eram pessoas com problemas alimentares diversos, entusiastas do futuro, pessoas que não aguentavam mais ingerir agrotóxicos, entre outras.
Infelizmente o blog pessoal dele não está mais disponível, mas graças ao Wayback Machine podemos ver cópias armazenadas de suas postagens. Alguns posts que podem interessar você são:
- Como eu parei de ingerir comida
- O que está dentro do Soylent
- Dois meses tomando Soylent
- Mês três de Soylent
- Em defesa da Nova Comida
- A falácia do Whole Food (rede americana de supermercados que explora a onda de comidas naturais selecionadas cobrando MUITO mais caro por isso)
Vendo que ele não estava sozinho e que tinha uma base enorme de pessoas interessadas naquele produto - que até então não passava de um teste caseiro - ele decidiu que precisava industrializar sua criação.
Assim surgiu a primeira campanha de financiamento coletivo no Kicstarter, onde ele alegava que desejava mais controle sobre sua vida, saúde, dinheiro e tempo. Neste momento Rob já vivia há 90 dias apenas com Soylent, e mais: de acordo com seus exames ele estava melhor do que nunca.
E quem achava que era papo de maluco se surpreendeu: em menos de 1 mês de campanha ele arrecadou quase 800 mil dólares vindos de pelo menos 6144 pessoas que queriam experimentar como era viver sem comida, mais do que o suficiente para dar início à sua terceira empresa, aos 24 anos.
Mas do que afinal é feito o Soylent
Certamente você deve estar se perguntando do que é feita essa coisa, afinal de contas. Pergunta muito pertinente, mas antes de ara explicar os ingredientes, nada melhor do que explicar o conceito e inspiração que deu nome à "coisa": Soylent Green é o nome de um filme de 1973 (traduzido como no Brasil como "No Mundo de 2020") no qual o planeta Terra fora devastado pelo efeito estufa, plantações são escassas e o mundo está sofrendo com uma superpopulação faminta. Nesse ambiente as pessoas precisam se alimentar com Soylent Green, um biscoito industrializado que ninguém sabe do que é feito, mas é o que resta para comer.
Com esse nome mais do que adequado a mistura criada por Rob era composta inicialmente de 39 minerais e aminoácidos e demais ingredientes básicos que você pode conferir um a um, com dosagem e importância para o nosso corpo clicando aqui. Entre outros o Soylent incluía algumas gramas de farinha de aveia, maltodextrina, proteína de arroz, óleo de canola, sódio, ferro, gordura, zinco, vitaminas diversas, etc. que após misturadas direitinho fechava um total de 2000 calorias e 0 gramas de colesterol.
Além de suplantar todas as necessidades básicas de um metabolismo adulto a mistura apostava na onda do ecologicamente sustentável ao trabalhar pontos como menor consumo de água e emissão de CO2 para produção, menor desperdício de alimentos já que tem uma duração de mais de 1 ano e menor consumo de energia no processo como um todo (principalmente por não precisar de refrigeração para armazenamento).
No entanto, ainda que possa substituir sem problemas uma refeição tradicional, deve ser muito estranho alimentar-se inteiramente por líquidos. para fins de comparação imagine, diariamente, colocar todo a sua comida em um liquidificador e bater a carne, feijão, arroz, vegetais e depois tomar. Suas necessidades básicas estariam supridas da mesma maneira, mas você conseguiria encarar?
Para responder essa pergunta nada melhor do que a opinião de quem já experimentou o Soylent e fez o review.
Evoluções e avaliações
Um dos primeiros personagens públicos a testar Soylent - lá em 2013, quando a empresa não passava de uma startup lidando com problemas habituais de início de negócio - foi Brian Merchant, repórter da Motherboard e primeira pessoa a repetir o feito do criador, Rob Rhinehart, e passar 30 dias sem colocar nada sólido na boca.
Além de uma economia de mais ou menos 200 dólares em alimentação (a quantidade de Soylent necessária por semana custa cerca de 65 dólares e a média de gastos com supermercado é de 400 ~ 500 dólares por residente em Nova Iorque) os resultados documentados no vídeo abaixo mostram alguns dados interessantes: Após aquele mês o jornalista tinha emagrecido 4,5 quilos e mantido níveis saudáveis em todos os seus indicadores de saúde (atestados por exames laboratoriais); tudo isso enquanto mascava bastante chiclete já que, como ele percebeu, sua mandíbula estava começando a doer para falar devido a falta do exercício diário da mastigação.
O único ponto negativo em seus exames foi a falta de vitamina D, que tem um motivo peculiar e compreensível: Durante os 30 dias em que esteve sob dieta, Brian parou de socializar com os amigos já que boa parte das saídas em grupo envolviam almoço, lanches e fazer alguma boquinha. Assim ele passou boa parte deste mês dentro de casa, sem pegar sol, elemento necessário para sintetizar a vitamina D no nosso corpo.
Segundo ele o Soylent estava quase o colocando em depressão por "obrigá-lo" a ficar em casa (ainda assim a solidão era melhor do que ir até os restaurantes e ver todo mundo comendo algo gostoso enquanto ele tinha somente o seu líquido de cor duvidosa para beber).
A questão, embora um tanto quanto tragicômica, levanta uma discussão que vai além dos níveis de nutrientes e dietas completas ou deficientes: comer é algo social e abrir mão disso pode impactar seriamente nas relações - como Brian dolorosamente constatou em apenas 30 dias.
Hoje, após 5 anos do financiamento coletivo inicial, a Soylent já levantou outros 75 milhões de dólares em investimentos de nomes de peso como a Google Ventures e já serviu dezenas de milhões de refeições engarrafadas. Após muita pesquisa e desenvolvimento eles vendem, atualmente, a versão 1.9 em pó e a versão 2.0 engarrafada (sim, o Soylent é versionado como se fosse um software!) que traz diversas melhorias tanto no gosto e textura como na composição em relação à fórmula original: menos sucralose e mais fibras e potássio e substituição do ômega-3 de origem animal para ômega-3 de origem vegetal obtido a partir de algas, tornando o produto 100% vegano.
E se mudou bastante desde a época em que Brian fez o teste pensei que fosse melhor conseguir algumas opiniões mais recentes para ilustrar este texto. Assim fui conferir os relatos do maior canal de distribuição de Soylent do momento.
Vendido desde 2017 em lojas de conveniência nenhum tipo de venda física supera o meio online e, no modo online ninguém supera ela, a Amazon é claro. Por isso fui até a loja de Jeff Bezos para conferir algumas opiniões reais de consumidores reais e ver o que eles falam sobre este produto que tem quase 2.800 avaliações e resultam em uma nota média de 4.1 estrelas de 5 possíveis.
De pessoas que dizem ser necessário um adoçante para encarar o gosto até pessoas que dizem ser intolerável, alguns pontos merecem ser destacados como o caso do cara que estava fazendo quimioterapia e a única coisa que podia ingerir eram líquidos. Segundo ele, o Soylent o ajudou a dispensar o tubo alimentar.
Em outro caso um cara bastante sincero disse que a bebida conseguiu resolver seu problema: preguiça. Com níveis ruins de pressão sanguínea, sem energia, sobrepeso e um consumidor voraz de McDonald's ele encontrou algo que melhorou seus índices de saúde sem que precisasse ir à academia ou sem ter que preparar refeições diariamente.
E sobre o gosto, a opinião geral é a seguinte: Não é gostoso como chocolate, mas nada que você precise se forçar a beber, como um shake pré e pós-treino.
O futuro do Soylent e da comida tecnológica
No vídeo mais acima o inventor da refeição líquida declara que sonha com um mundo daqui 20 anos onde teremos uma torneira de Soylent do lado da torneira de água. Ninguém precisará se preocupar mais com comida. Talvez seja um pouco exagerado a predição dele, mas não dá para negar que comer está cada vez mais tecnológico - ainda bem.
Um dos objetivos de Rob ao criar o Soylent foi ajudar a acabar com a fome no mundo e preparar o planeta para suprir a demanda por comida no futuro recente já que enquanto a população está crescendo as áreas cultiváveis estão diminuindo. Além do fato louvável de doar banco mundial de alimentos a empresa conseguiu reduzir os custos a um preço significativo: uma garrafinha de Soylent - mais cara do que a versão pó por sua praticidade, embalagem, etc. - custa apenas 3 dólares e 10 cents, um valor extremamente baixo para uma refeição completa nos Estados Unidos.
Se todas as comidas tech forem assim, que venham mais e mais.
Mas esse fenômeno é bem recente. Começou em 2013, ano que ficou marcado para o mundo da alimentação não apenas por ser o ano de lançamento do Soylent, mas também por ter sido o ano em que o primeiro hambúrguer de laboratório do mundo foi posto à prova de paladar. A cobaia - e principal investidor - Sergey Brin, cofundador do Google, disse que aquele hambúrguer de 330 mil dólares não era ruim e que só 'precisava de sal, talvez queijo".
As expectativas por conta de uma carne de laboratório são altas, afinal ela é capaz de tranquilizar tanto os vegetarianos/veganos como resolver os problemas ambientais envolvidos na sua cadeia produtiva, como o desperdício de área fértil que é ocupada por rebanhos impossibilitando o plantio de cereais.
A promessa da carne de laboratório, no entanto, não é acabar com carne tradicional, mas apenas reduzir - e muito - os números que ficam entre a vaquinha no campo e o bifa na sua mesa. Somente a população de bovinos no mundo ultrapassa 1 bilhão de cabeças, agora pense no custo ambiental destes animais: Uma vaca pode consumir até 11.000 litros de água por ano enquanto que os rebanhos são responsáveis por mais ou menos 15% das emissões de gases de efeito estufa. Isso sem contar que a cadeia produtiva raramente (para não dizer "nunca") leva em consideração as melhores condições de vida - e morte - para os animais.
Ao que tudo indica o mundo está no momento ideal para passar por essa revolução gastronômica, ou, nas palavras de Bill Gates: "o mundo está maduro para uma inovação na comida". Hoje o Soylent já está sendo vendido nos Walmarts americanos - a maior rede varejista do mundo - e inúmeros laboratórios de carne sintética correm contra o tempo para definirem quem será o primeiro a despontar nesse multibilionário mercado.
Por enquanto, a dianteira parece que vai ficar com a Just, uma startup que desenvolve suas carnes em laboratório há anos. Seu fundador, Josh Tetrick, afirma que eles, finalmente, conseguiram tornar o processo econômico o suficiente para levar ao mercado a primeira carne feita em laboratório do mundo até o final deste ano. Ele ainda não revelou qual tipo de carne será introduzido nas prateleiras já que o laboratório produz desde foie gras até carne "comum".
Mas a premissa de que a "carne de mentirinha" e melhor para o planeta ainda não está bem clara. De acordo com esse estudo ela é mais danosa do que a produção normal; já este outro aqui coloca ela como muuuuito mais saudável ao planeta. De toda forma a produção terá de ser gigantesca; somente o McDonald's vende aproximadamente 75 hambúrguers por segundo, e isso apenas nos EUA, onde são consumidos mais de 26 bilhões de quilos de carne bovina por ano.
Mas claro que existem ainda outros poréns a serem considerados mesmo que a carne feita em laboratório seja ambiental e economicamente sustentável. Pense naquele mais de 1 bilhão de pessoas que hoje dependem direta ou indiretamente da agricultura animal. Um pedaço de carne sintético não pode fornecer estrume para adubar áreas de pequenas plantações em locais remotos que necessita da agricultura de subsistência, nem pode puxar um arado, muito menos vai ajudá-los a pagar suas contas.
Além disso há aquela velha questão: Você comeria uma carne sintética? Se olharmos para trás podemos notar que a maioria das invenções demora um pouco pra ser aceita e consumida pela população em geral. E o que você fará no futuro recente? Vai adotar esse tipo de refeição? Encararia o Soylent? Deixe sua opinião nos comentários.
Para saber mais: Soylent, Scientific American, The Hustle, Harvard, Diets in Review, BBC
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