Não muito antes de sua morte, o cofundador da Microsoft e visionário tecnológico Paul Allen viajou para o sul da França para conferir um empreendimento que está sendo tocado por 35 países. O objetivo de tal cooperação tecnológica é ambicioso: reproduzir o funcionamento do Sol e com isso ter conhecimento para, um dia, produzir energia limpa e ilimitada ao unir os átomos (fusão nuclear) ao invés de separá-los (fissão nuclear).
Na ocasião o bilionário disse que queria ver os estágios iniciais do Reator Termonuclear Experimental Internacional (ITER, na sigla original) na cidade francesa de Cadarache, em primeira mão e assim testemunhar os preparativos que levariam "ao nascimento de uma estrela na Terra".
E Allen, que era um investidor de tantas outras coisas inovadoras - como a nova corrida espacial, não estava ali apenas um espectador na busca do Santo Graal da energia nuclear. Ele era mais um dos defensores da energia limpa que estão despejando rios de dinheiro em startups que buscam produzir o primeiro reator de fusão comercialmente viável e sair na frente do programa ITER, que se imagina iniciando operações apenas em 2035 e ao custo de US$ 23 bilhões.
E Paul Allen não estava sozinho nessa, nem era o mais famoso. Nomes como Jeff Bezos (fundador da Amazon), Bill Gates e Peter Thiel (cofundador do PayPal) são apenas três dos bilionários que também perseguem aquela que brilhante físico Stephen Hawking chamou de tecnologia mais promissora da humanidade.
Os cientistas há muito sabem que a fusão nuclear tem o potencial de revolucionar o setor de energia, porém, a pesquisa andava a passos lentos. O motivo - além das limitações tecnológicas - era um só: Grana. Desenvolver uma estrela artificial não é barato e os únicos que podiam fazer isso até a última década eram alguns poucos governos. Foi aí que começaram a entrar os bilionários da tecnologia. Com sua fortuna e os avanços recentes na pesquisa de materiais, impressão 3D, machine learning e processamento de dados a história da energia está começando a tomar um caminho mais verde.
"É o momento da SpaceX para a fusão", disse Christofer Mowry, que dirige a General Fusion Inc., com sede em Bezos, cidade perto de Vancouver, no Canadá (não confundir com o Bezos da Amazon) e faz uma brincadeira com a empresa espacial de Elon Musk que soube aproveitar o momento e condições ideais para liderar a corrida espacial moderna. "Se você se preocupa com a mudança climática, precisa se preocupar com a escala de tempo e não apenas com a solução definitiva. Os governos não estão trabalhando com a urgência necessária."
A empresa que Allen apoiava, a TAE Technologies, estava sozinha no ramo quando foi fundada com o nome de Tri-Alpha Energy há duas décadas atrás. Agora, ela tem, pelo menos, duas dúzias de rivais, todas muito bem financiadas por investidores com histórico de serem revolucionários no meio onde fizeram fortuna. De acordo com Mowry a união de todos esses fatores levou a uma explosão de descobertas que estão transformando o cenário.
Um dos avanços mais claros que tivemos na área foi apresentada na semana passada em Gandhinagar, na Índia, onde a Agência Internacional de Energia Atômica, sediada em Viena, realizou seu fórum de fusão nuclear que acontece a cada 2 anos. A conferência destacou que 800 trabalhos de pesquisa foram oficializados, 60% a mais do que há uma década.
A fusão do átomo em si não é o problema. A parte complicada é conseguir o ganho energético tal qual ocorre no sol ou em qualquer outra estrela do universo. Nelas acontece uma "mágica": o combustível de entrada transforma-se em 10x mais energia quando chega no final do ciclo. Por exemplo: 50 MW entram no reator para serem fundidos e no final do caminho há 500 MW.
Pareceu difícil? E é. Para que isso aconteça os reatores precisam imitar condições encontradas apenas no espaço profundo, um esforço muito mais complexo e custoso do que a simples fissão nuclear (encontrada nas usinas "normais" como as brasileiras Angra I, II e III). Aquecer o plasma a temperaturas mais altas que as estrelas e depois conter as reações que se seguem dentro dos vasos de resfriamento criogênico é altamente desafiador.
E mesmo que a fusão comercial demore mais do que o esperado para retornar o investimento, muitas das inovações produzidas ao longo do caminho já serão lucrativas por conta própria, de acordo com o IP Group, uma companhia de investimentos em propriedade intelectual de Londres. Isso porque as empresas de pesquisa já estão registrando patentes para suas criações, desde softwares que simulam a queima de plasma a 150 milhões de graus Celsius até um novo tipo de ímã que tem aplicações na área de saúde.
"Ainda haverá um valor residual significativo", disse Robert Trezona, que supervisiona o investimento na First Light Fusion, uma das empresas do ramo que o grupo investe e que tem, inclusive, o ex-secretário de Energia dos EUA, no conselho. P.S. Valor residual é o valor de algo após o fim de sua vida útil.
Entre esses novos empreendimentos, um dos mais ambiciosos é a Commonwealth Fusion Systems, empresa fundada no ano passado por seis professores do MIT, a melhor universidade do mundo em engenharia e áreas ligadas à tecnologia. Apoiados por alguns dos maiores nomes dos negócios, eles estão confiantes de que poderão produzir um protótipo do reator de energia que transforma 1x em 10x até 2025.
A startup levantou US$ 50 milhões em março deste ano de um grupo liderado pela italiana Eni SpA, uma das várias produtoras de petróleo que já se preparam para um mundo de carbono zero, e, no mês passado, conseguiu uma quantia não especificada da Breakthrough Energy Ventures, um fundo de investimentos em energia verde mantido por Gates, Bezos e outros magnatas, incluindo Richard Branson (fundador do conglomerado Virgin), Ray Dalio (fundador de um dos maiores fundos de investimentos do mundo) e Michael Bloomberg (proprietário majoritário da Bloomberg LP, empresa controladora da Bloomberg News).
Ainda assim, o ITER continua sendo a melhor aposta para receber a honraria de ser o pioneiro na produção de energia limpa e barata em grande escala, de acordo com Nawal Prinja, engenheiro nuclear do John Wood Group, que palestrou no fórum citado há pouco.
"As Startups chegam com todos os tipos de novas ideias para tornar a indústria mais eficiente, mas transformar ideias em algo comercial é uma história diferente", disse Prinja. Apenas o ITER tem os recursos necessários para aperfeiçoar o tipo de reator que pode abastecer cidades inteiras, disse ele.
Mas se formos esperar pela aposta mais segura, muitos dos investidores da energia por fusão nuclear de hoje podem não viver o suficiente para se beneficiar da tecnologia que fomentaram. Isso porque o ITER, que precisou de mais de 30 anos apenas para que a construção de uma máquina que provasse a viabilidade do conceito fosse aprovada, precisará de mais umas 2 ou 3 décadas para que comece a operar em grande escala.
Tim Luce, cientista-chefe do ITER e anfitrião de Allen no amplo centro de pesquisa a cerca de 50 quilômetros ao norte de Marselha, refutou as críticas à demora para o desenvolvimento da tecnologia e, principalmente, a aposta dos bilionários em fazer um reator nuclear por fusão em períodos de apenas uma década. E mais, segundo ele este esforço internacional de cooperação entre países é ambicioso demais para quem quer que seja do setor privado.
"Esses outros competidores têm uma visão de fazer algo menor, mas eu não vi único projeto detalhando a física necessária de maneira convincente, que mostre que eles podem mesmo fazer isso", disse Luce. "É a história da tartaruga e da lebre e nós somos a tartaruga."
E na outra ponta disso tudo tem Elon Musk, um inovador em série que acha que toda essa galera da fusão está indo no caminho errado. Naquele mesmo famoso podcast, no qual ele fumou maconha ao vivo, o cofundador da Tesla e da Solar City disse que dinheiro inteligente como o dele é melhor gasto em encontrar maneiras mais eficientes de capturar a energia do Sol do que tentar recriá-lo.
"Temos um reator termonuclear gigante no céu", disse Musk. "Ele aparece todos os dias de maneira muito confiável. Se você pode gerar painéis solares e armazená-los com baterias, você pode tê-los 24 horas por dia."
Musk está certo mais uma vez? Ou seria apenas uma grande oportunidade para vender suas baterias? Aliás, quem está certo? Os bilionários ou a cooperação internacional? Deixe um comentário aqui embaixo dizendo o que você pensa sobre o assunto.
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