Dirigido por Daniel Stamm, A Luz do Demônio se vende como um terror religioso, mas pega carona em tendências da indústria enquanto tenta pavimentar o caminho de uma nova franquia. Fica muito evidente o desejo de iniciar uma nova saga, assim como não é difícil perceber o quanto o longa se apoia em elementos batidos da atualidade na tentativa de cativar. Com exorcismos, religião, combate ao sexismo e questionamentos sobre os métodos da igreja, o filme conta jumpscares e outras características do horror clássico, inclusive em sua narrativa, mas em muitos momentos as escolhas aqui parecem nos apresentar a introdução de uma nova heroína.
Sim, a religião é muito importante na trama e é ela quem dita o ritmo dos acontecimentos, mas existe também uma jornada típica de filmes de heróis, enquanto a protagonista Ann, que é ótima, deve passar por diversos testes para enfim tornar-se o que nasceu para ser, afinal ela é uma espécie de escolhida.
Ótima protagonista
Se a ideia do filme é introduzir uma nova personagem na cultura pop, há aqui um grande acerto quando percebemos que é fácil gostar de Ann, a freira que é interpretada por Jacqueline Byers. Com um filme montado inteiramente para valorizar e desenvolver sua protagonista, a personagem precisa superar traumas, enfrentar demônios internos e entender qual é o seu papel em uma guerra contra um inimigo poderoso... o diabo. Se o roteiro ajuda Ann a conectar a personagem com o público, a atriz Jacqueline Byers também tem um papel crucial neste processo, com uma ótima atuação e um carisma natural que não passa despercebido. Byers é tranquila em suas cenas, sempre com um toque de leveza ainda que demonstre toda angústia presente na personagem em certos momentos.
Ann se torna ainda mais cativante por ser uma espécie de rebelde, afinal, quem não gosta de rebeldes? Sua rebeldia está justamente em ir contra o sexismo muito forte que há dentro da igreja católica, que permite o ritual de exorcismo apenas aos padres. Trabalhando em um hospital psiquiátrico-católico, a freira cumpre a função apenas de uma enfermeira, enquanto deve lidar com pacientes que apresentam quadros de possessão. No entanto, Ann nasceu para quebrar paradigmas e revolucionar. Infiltrada em aulas de exorcismo, Ann aos poucos conquista seu espaço através de seu interesse. O roteiro encontra aqui uma conexão interessante com o público, enquanto é interessante perceber a luta da freira para mostrar seu valor em um ambiente que faz tanto para impedi-la.
Quando Ann mostra uma forte conexão com Natalie, uma menina em quadro avançado de possessão, a trama aos poucos começa a revelar o papel da freira nesta luta contra o mal, na medida em que fica cada vez mais evidente o seu dom. Ela tem uma conexão com o mal, e é interessante descobrir como ela usará tal conexão. Sendo praticamente a última esperança para impedir que Natalie seja enviado ao Vaticano, onde casos terminais normalmente acabam em morte, Ann precisa confrontar seu passado e descobrir novos métodos que vão contra tudo que a igreja prega. É uma típica jornada de heroína, desafiando a tudo e a todos, provando sua força e cumprindo seu papel enquanto muda padrões estabelecidos. É uma jornada de provação e superação, misturada com um terror clássico de exorcismo.
Discussões deixadas de lado
Embora o filme tenha uma protagonista interessante e ofereça boas ideias, como o combate ao sexismo, o roteiro também peca quando não se aprofunda em elementos e discussões que poderiam entregar mais peso para a trama. Um exemplo disso gira em torno da Dra. Peters, interpretada por Virginia Madsen, que aparece no longa como oposição a tudo que não pode ser explicado. No hospital psquiátrico-católico os pacientes são tratados tanto por padres quanto por médicos, e a Dra. Peters aparentemente está em uma batalha para provar que não há nada de demoníaco nos casos, ficando absolutamente do lado da ciência. Em certos momentos, Ann e Peters tem conversas sobre religião e todo o pacote que vem com isso, e o filme parece ensaiar um aprofundamento maior na discussão, mas rapidamente abre mão disso para voltar a ter foco na jornada de sua heroína e no forte apoio que encontra na religião.
O confronto entre religião e ciência apareceria aqui como um elemento importante para um roteiro que muitas vezes se mostra raso e direto demais, no entanto nunca chegamos, de fato, a ver essa ideia sendo posta em prática. Ideias e discussões executadas de maneira superficial inclusive são um problema frequente da indústria cinematográfica nos dias de hoje, e A Luz do Demônio não conseguiu fugir disso - talvez nem tenha tentado.
Sabe aterrorizar
Enquanto é um filme de terror religioso que abraça elementos do heroísmo, A Luz do Demônio também parece se aproveitar disso para entregar suas cenas de horror e toda a construção do "vilão". Sim, o mal, ou no caso o diabo, é apresentado aqui como todo jeitão de um vilão, perseguindo a escolhida com um desejo profundo de vencer sua grande adversária. Para isso, ele utiliza todos os recursos possíveis e tenta ataca-lá das maneiras que são mais ofensivas, tentando atingir seu coração.
Com o diabo estabelecido como um vilão, o filme sabe aproveitar as cenas de exorcismo enquanto não tem medo de exagerar. Angustiantes e assustadoras, as cenas mostram que Daniel Stamm esteve extremamente inspirado nos momentos em que buscou causar medo, com uma grande criatividade macabra sendo oferecida aos telespectadores. O exorcismo aqui tem peso real, tanto para quem está possuído quanto para quem tenta enfrentar a força maligna, e durante essas cenas há muito do horror clássico, com o medo sendo provocado de maneira agressiva.
Uma sequência é o objetivo
Quando você percebe o cuidado que o filme tem para introduzir sua protagonista, criar o mito da escolhida, e estabelecer uma conexão com o público, não é muito difícil de entender que este é logicamente um um filme que tenta começar uma história maior. Toda a jornada de Ann é montada pensando no futuro, o que inclui um final extremamente clichê que deixa completamente evidente o desejo de dar continuidade ao que foi iniciado aqui.
Neste aspecto, A Luz do Demônio também abraça uma tendência muito forte, já que estamos vivendo um momento em que quase tudo precisa ser grandioso e expandido.
O veredito
A Luz do Demônio tem elementos do horror clássico, sendo um filme bastante clichê, mas abraça outras características que são mais comuns fora do gênero de terror. Contando com uma ótima protagonista e boas cenas de exorcismo, o filme consegue entregar uma jornada satisfatória, mas que em momento algum consegue ser muito mais do que isso.
Nota: 7.5/10