Infelizmente, o machismo é uma realidade nos dias de hoje. Embora a sociedade tenha dado grandes passos rumo à igualdade de gênero, ainda nos vemos tendo que abrir este debate. E por coisas simples, pelo direito à realizar uma atividade que deveria ser apenas prazerosa, como jogar videogame. O caso de machismo sofrido pela digital influencer Gabi Cattuzzo, que repercutiu em grande escala na internet, chegando a ocupar o trending topics do Twitter, só nos provam que temos muito o que discutir sobre o machismo e sexismo, e aqui mostraremos como ele ocorre no mundo gamer.
Ouvir palavreado chulo de outros jogadores, assédio sexual, ofensas à sua performance seguidas da frase "tinha que ser mulher" é rotina para as gamers no Brasil e no mundo. Conversamos com três garotas que jogam diariamente alguns dos mais famosos jogos da atualidade, e a realidade de todas se assemelha no que diz respeito aos preconceitos sofridos.
Três vítimas do machismo no mundo gamer
A analista Ericka Tavares, de 26 anos e moradora de Fortaleza, no Ceará, nos contou que em seus 8 anos de vida gamer, muitas vezes teve a necessidade de "provar que é boa", e ter que escutar que ganhou porque os rapazes deixaram ela vencer por ser mulher.
Segundo a gamer que gosta de jogar GTA V, PES e Mortal Kombat, é normal ouvir "palavras chulas e absurdas, direcionadas assim que ligava o head seat ." Ela ainda nos conta sobre as frases que teve que ouvir enquanto jogava, coisas como: "Vai lavar uma roupa, você não sabe jogar mais deve saber lavar roupa bem, já que seu lugar é no tanque".
Realidade não muito diferente da graduanda em Ciências Biológicas Bruna Viana Navarro que reside na cidade de Iporã, no Paraná. A garota de 21 anos, que joga há 5 o famoso título League of Legends - LOL - relata que já sentiu que os gamers do sexo masculino que jogavam com ela menosprezaram a sua capacidade apenas pelo fato dela ser mulher.
Ela diz que "Muitas vezes, quando cometi algum erro, recebi comentários do tipo 'tinha que ser mulher, inútil, não deveria estar jogando', ou até mesmo se você acaba por fazer algo bom no jogo, acabam por falarem 'nem parece que é menina jogando'."
Ela também conta que já sofreu assédio sexual enquanto jogava. "Muitas vezes já tive que ouvir palavras pervertidas e ofensivas de muitos jogadores", diz ela, além de ouvir frases insinuando que em vez de estar jogando, ela deveria coisas "mais femininas", como atividades domésticas.
Outra realidade comum para Bruna é se esforçar mais no jogo para ganhar quando o oponente é do sexo masculino, apenas para "provar" que seu gênero sexual não interfere na habilidade ao jogar.
Por fim, conversamos com a gamer Caroline Flores, de 26 anos, moradora da cidade gaúcha Viamão e gerenciadora de risco. A gamer que é adepta dos títulos Ballistic Overkill, GTA online, entre outros, nos contou que joga há mais de 10 anos, e nesse tempo já sofreu vários casos de machismo em suas jogatinas.
Caroline diz que não se identifica como mulher no nickname ou na foto de perfil para evitar o machismo. "Meu nick enquanto mais jovem era TrixyTrit, mas atualmente utilizo apenas CFlores pela facilidade. Dificilmente uso foto em perfil". Ela ainda explica o porquê de não se identificar como mulher: "Acredito que a preferência pelo anonimato venha pela paz que isso dá, a tranquilidade de poder jogar sem ninguém na volta com insultos ou segundas intenções."
Quando perguntamos se ela já sentiu que os gamers do sexo masculino a menosprezavam por ser mulher, ela diz que sim. Segundo ela, "Sempre é uma surpresa quando num jogo de FPS uma garota tem maior desempenho. Aparentemente isso é algo que fere gravemente a masculinidade de alguns players."
Ao ser questionada sobre o assédio sexual, Caroline conta que já sofreu assédio enquanto jogava, e acredita que se deve em muita à sensação de impunidade na internet. "Algum tanto de vezes, coisas mesquinhas, acredito que feito para desestabilizar o psicológico durante o jogo, ou simplesmente por puro exibicionismo do assediador, afinal, jogos multiplayers é isto, não há punições."
Assim como as outras duas meninas entrevistadas por nós, Caroline também já teve que escutar que deveria estar realizando alguma atividade doméstica em vez de estar jogando. Ela acredita que "Infelizmente ainda temos muito forte a cultura de que a tarefa de casa deve ser direcionada apenas a mulher. Mesmo com a evolução ao longo dos anos."
Embora ela diga que se esforça sempre em todos os jogos, esse esforço está também relacionado ao fato de ser mulher e ter que provar ser capaz de conquistar uma boa posição.
O machismo é comum no mundo gamer
O que há em comum nos três casos acima? Como você pode notar, é rotina sofrer assédio sexual e menosprezo da capacidade, além de sempre ter que ouvir algum gamer indicar a troca dos jogos por tarefas domésticas. Como se a mulher não pudesse se divertir e ter momentos de lazer, e como se as tarefas domésticas fossem de responsabilidade apenas da mulher.
Gabi Cattuzo contou à imprensa que não foi o primeiro caso de machismo sofrido, mas aquele caso em especial a irritou. Infelizmente, por um comentário que de fato não foi apropriado, mas que é compreensível, haja vista a situação que a garota passou, ela perdeu seu contrato com a fabricante Razer.
O caso da famosa digital incluencer ganhou matéria nos principais veículos de comunicação no Brasil, mas de forma desconhecida do grande público, diariamente as meninas que gostam de videogame tem que enfrentar comentários desagradáveis, assédio sexual, palavreado chulo, ou as vezes até esconder seu gênero para evitar problemas.
As mulheres são maioria no mundo gamer
O que muitos não sabem é que as mulheres são maioria no mundo gamer. Um estudo publicado pela Advertising Bureau em 2014 apontou que 52% do público de jogos era composto por mulheres. Mas parece que não, certo? Realmente não parece que a maioria dos players espalhados pelo mundo são do sexo feminino, e isso se dá porque o marketing dos games é voltado para o público masculino. O machismo começa enraizado na indústria dos jogos, que simplesmente ignora a maioria feminina e direciona suas propagandas aos homens.
Não apenas as propagandas são direcionadas ao público masculino, mas como geralmente o próprio game tem seu conteúdo machista. É muito comum que os personagens dos games sejam compostos de homens fortes e viris, e mulheres quase sem roupa e sexualizadas. Claro, com algumas ressalvas, mas em sua grande maioria, é isso. O game já sai de fábrica sendo machista, então, isso acaba facilitando o machismo entre os gamers.
Está mais do que na hora da indústria dos jogos ter um novo olhar sobre seu público feminino, e nos contemplar com personagens femininas fortes e inteligentes, em vez de personagens sexualizadas. Assim como está mais do que na hora dos rapazes gamers darem o devido respeito às garotas, tão negligenciadas e subvalorizadas nos dias atuais.
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