Ao longo dos próximos dias publicaremos uma série de entrevistas e artigos especiais falando sobre os esportes eletrônicos, também chamados como e-sports, uma nova tendência que cresce a cada dia mesmo tendo que enfrentar todo o preconceito com quem joga.
Na nossa primeira entrevista, conversamos com André Leal Santos, conhecido como Meligeni na comunidade gamer. Ele é narrador profissional de partidas competitivas desde 2014, realizando o seu primeiro trabalho para a Eletronic Sports League (ESL) ao transmitir a EMS One na cidade de Katowice, na Polônia, um evento presencial de Counter Strike que fez o shout caster permanecer na frente do computador narrando por 16 horas seguidas.
Além de narrador, André também trabalha com telecomunicações, realizando alguns trabalhos como consultor autônomo, ofício que pouco pratica, pois largou praticamente tudo para se dedicar ao e-sports.
Meligeni sempre gostou de narrar partidas competitivas, começando a fazer isso como um hobby ao gravar vídeos fazendo locuções de Dota, depois passou a trabalhar com Counter Strike, game que focou até o inicio de 2014. Hoje André é o shout caster brasileiro responsável por transmitir os principais campeonatos de Battlefield organizados pela ESL.
Em 2015 narrou os jogos da ESL One Spring, organizada pela ESL, sendo este o primeiro evento mundial de Battlefield, na qual a equipe da Dexterity pela primeira vez representou um time brasileiro em um campeonato internacional presencial, chegando a incrível marca do segundo lugar e surpreendendo a todos com esta conquista.
Por meio de uma chamada do Skype entrevistamos o narrador e agora você confere os assuntos que abordamos nesta conversa.
Equipe - Qual foi a sua primeira experiência, amadora ou profissional, narrando partidas competitivas?
Meligeni - Comecei narrando Counter Strike, narrei a primeira major league do game em 2014, que foi a EMS One em Katowice, um presencial que ocorreu na Alemanha. Depois que conheci o competitivo do Battlefield, que é um jogo que sempre gostei, acabei mudando e migrando cem por cento para ele.
Equipe - Você acha que existe alguma vantagem nos esportes eletrônicos em relação aos esportes "comuns"?
Meligeni - A primeira coisa que devemos lembrar é que, na verdade, ambos são a mesma coisa. Têm muitas pessoas que podem pensar: "ah, o cara que joga futebol não tem nada a ver com o cara que joga esportes eletrônicos", eles são apenas estilos de esportes. Assim como o xadrez é considerado um "esporte da mente", pois você é cadastrado como um atleta. Inclusive, alunos de universidades já ganham bolsas e benefícios por jogarem competitivamente por suas instituições assim como acontece com esportes de contato. O maior problema disso tudo é não poder tirar passaporte como atleta para viajar para eventos presenciais.
Equipe - E você saberia dizer o que exatamente dificulta essa aceitação de passaportes para atletas de e-sports?
Meligeni - Existe muito preconceito em relação ao e-sports justamente por eles estarem ligados aos jogos eletrônicos, que são uma coisa que vem causando muita polêmica, curiosidade e também vem causando muita falta de discernimento de pessoas mais velhas, que não sabem diferenciar uma pessoa dedicada a um esporte eletrônico de uma pessoa realmente viciada em jogos. Existe uma diferença muito grande entre esses dois tipos de pessoas. Obviamente todo competidor ama o game que joga, mas isso não o torna uma pessoa viciada a ponto de brigar com os pais.
Equipe - Qual é a principal dificuldade em ser um caster de e-sports?
Meligeni - A parte financeira. É por isso que ainda não me dedico cem por cento a isso, infelizmente ainda não dá. Para você ter uma ideia, uma narração minha não paga uma conta de luz. Pra ser narrador de e-sports atualmente, é preciso ter uma fonte de renda extra, alguns dos únicos que conseguem de fato viver disso são os casters de League of Legends, que é o jogo com o maior competitivo no mundo todo. No caso de Battlefield e outros jogos não tão fortes no e-sports, você precisa além de ser um bom narrador, ser também uma figura pública famosa, como, por exemplo, o Gordox (Willian "gORDOx" Lemos, narrador de partidas competitivas de jogos eletrônicos, narra principalmente League of Legends), que atualmente nem precisa mais ser o grande narrador que ele é, pois, se tornou tão conhecido que faz live streams esporádicas dele mesmo jogando e atinge em média cinco mil viewers, se ele jogar qualquer jogo vai ter essas cinco mil pessoas assistindo, por isso, acredito que ele esteja em um patamar que já seja possível se sustentar como um narrador de e-sports.
Outro grande problema é o pessoal que usa programas para bloquear propagandas nas lives ou então outros recursos que impossibilitam a reprodução de propagandas, e isso prejudica demais, pois essa é a nossa maneira de monetizar as transmissões. O pessoal tem que entender que isso também é trabalho.
Equipe - O que é preciso para se tornar um caster? É necessária alguma permissão da organizadora da competição?
Meligeni - No meu caso a oportunidade acabou chegando por convite, fiz um vídeo narrando uma partida de Dota e enviei para o pessoal da ESL, cheguei a ser convidado para fazer um trabalho no game mas desisti, só depois, na EMS One em Katowice, que fui convidado novamente para narrar partidas de CS GO, a qual resolvi aceitar, me tornando um profissional e me apaixonando pelo que faço até hoje.
O requisito básico é você primeiramente amar o jogo que você quer narrar, tem que ter o gosto pelo jogo. O segundo é ter conhecimento sobre o jogo, é preciso estudá-lo, não basta apenas narrar "fulano matou fulano, beltrano matou o beltrano", você tem que ter um conhecimento geral. Claro, não precisa ser um expert no jogo, mas é preciso ter um conhecimento geral para poder ter uma maior interação com o público que está assistindo. O terceiro requisito é saber procurar oportunidades, oferecer o seu trabalho e criar um portfólio de vídeos narrando. Você pode até pegar uma stream gravada por um narrador e regravá-la.
Você precisa saber também que é um sacrifício muito grande pra quem narra, pois os eventos acontecem geralmente em finais de semana, que muitas vezes podem ser o único tempo livre da sua semana, sem contar que muitas vezes uma transmissão pode durar entre 6 e 12 horas. Acredito que no futuro isso acabe mudando, pois ser narrador de e-sports vai se tornar uma profissão, gerando normas e leis que delimitem um tempo de duração para eventos e locuções. A própria EMS One em Katowice teve 16 horas de duração.
Equipe - O que está faltando para o competitivo ser mais bem reconhecido pelo público e por investidores?
Meligeni - Grande parte do problema todo está ligado ao pessoal que joga mas não assiste, desde os que nem sabem que existem competições de jogos até os que apóiam e gostam do e-sports mas não assistem transmissões, que são uma das principais maneiras de divulgar um evento. Na verdade são vários os fatores que dificultam esse reconhecimento, mas os principais são os de parte financeira, pois, com o dólar alto investidores não aplicam sabendo que o retorno é pouco. Dentre outros problemas, existe também a falta de divulgação e a falta de interesse de algumas pessoas, mas é realmente difícil falar sobre isso enumerando os problemas e explicando um a um.
Equipe - Como foi narrar a final da ESL One, quando a única representante do Brasil - a Dexterity - foi derrotada?
Meligeni - No meu canal no YouTube tenho a gravação dessa final onde a Dexterity perdeu na final e nitidamente eu estava puto -risos-. No final das contas eu sou um ser humano, tenho emoções e sou um cara emotivo, resumindo, engoli choro. Inclusive, as vezes as pessoas acham que fico bravo durante as transmissões, mas o fato é que sou emotivo e explosivo, gosto de demonstrar meus sentimentos durante uma partida.
Sou fã de todos os times de competitivo, mas no dia da final da ESL One de Battlefield, vendo a Dexterity ganhar de um time atrás do outro, me deixei levar pela emoção e cheguei até a dizer que tava fácil pros brasileiros, tinha momentos que eu narrava mais como um torcedor do que como um narrador de fato. No final das contas, acabei deixando meus conhecimentos como narrador de lado para dar a emoção que um verdadeiro torcedor estaria sentindo naquele momento.
As vezes a partida pode não estar muito boa e você precisa se tornar o jogador que está fazendo aquela kill, que acabou sendo eliminado ou que não conseguiu plantar a bomba no seu objetivo, é preciso vibrar e lamentar como esse jogador e foi isso que fiz, tentei passar essa emoção pra quem assistia.
Equipe - Já que a maior parte do seu trabalho é narrar partidas de Battlefield, existe algum time que você goste mais aqui no Brasil?
Meligeni - Eu sou um daqueles caras que torce pra todo mundo, principalmente porque hoje em dia não tem como você ter um time, pois o público ainda é pequeno. De todos os times que conheci, o primeiro que criei carinho no Battlefield foi a Mayhem, pois, quando comecei a narrar Battlefield, acabei conhecendo o Janitor, que era o "cabeça" da equipe e tinha grande influencia já no começo do cenário brasileiro do competitivo de Battlefield, foi ele quem me ensinou boa parte do que sei sobre o jogo. Hoje a Mayhem está praticamente na Dexterity, tendo jogadores como o Wagner e o Julio, que são dois dos principais nomes do competitivo brasileiro. Então, por tudo o que a Mayhem já fez por mim, embora hoje praticamente não exista mais, tenho um enorme carinho pela equipe.
Na Europa tenho um carinho super especial pela Epsilon, não só pelo time mas também pelos jogadores, que são muito gente fina. Já conversei muito com eles e sou muito fã de cada um dos jogadores.
Equipe - Qual foi a partida mais emocionante que você já narrou?
Meligeni - A partida mais emocionante que já narrei foi da Uranus contra a Nyx, pela ESL Aerocool Challenge, no modo domination, na qual a Nyxe acabou ganhando por dois mapas a um. A partida foi impressionante, no fim a diferença foi de dez tickets entre os dois times, uma partida digna de Nyx e Uranus que eram os dois principais times na epoca. A Nyx ganhava a maioria dos campeonatos de domination, mas sempre a diferença era de cerca de dez tickets, garantindo partidas muito emocionantes.
Nessa final da ESL Aerocool Challenge em questão, a partida foi tão incrível que a Uranus perdeu por um único ticket, sem contar que no início do último round o Pinga, do time da Uranus, fez uma jogada histórica, que apenas jogadores europeus haviam conseguido até então, na qual ele eliminou quatro dos cinco jogadores da Nyx com cinco segundos de jogo. Quase fiquei sem voz nesse dia -risos-.
Equipe - Qual é o conselho que você daria para alguém que quer se tornar um caster?
Meligeni - É aquela mesma coisa de sempre: Você vê as pessoas na televisão realizando seus sonhos e tal e elas dizem para você nunca desistir dos seus sonhos e tal, aí você está meio mal e diz: "Fala isso pra você que está aí na televisão" -risos-. No entanto, essa é a mais pura verdade, só quem pode fazer o seu sonho acontecer é você mesmo. Se você tem esse sonho você precisa correr atrás e se dedicar, você vai sofrer, vai chorar, vai se ferrar, vai ser xingado, vai ser humilhado em algumas vezes, várias coisas vão acontecer para tentar te derrubar, mas cabe a você ter força para se levantar. Eu mesmo venho passando por muitas dificuldades para realizar esse meu sonho de viver só como shout caster.
O conselho que eu dou tanto pra quem quer narrar quanto para qualquer outro sonho é: nunca desista do seu sonho, jamais! Você pode passar todas as dificuldades, mas se você desistir, ninguém vai te convencer a voltar. Somente você pode fazer as coisas acontecerem. É bem clichê, mas é a mais pura verdade.
O que muitos me falam é que não consigo ficar em uma posição onde não sou desafiado, e é exatamente por isso que venho me dedicando cada vez mais nos esportes eletrônicos, porque sou desafiado todos os dias a continuar buscando meu sonho. É isso que faz você se sentir alguém, quando a vida não te dá desafios, você é uma pessoa acomodada e não explora cem por cento das suas capacidades.
Equipe - Meligeni, muito obrigado pela entrevista. Foi um prazer te entrevistar e mostrar um pouco do teu trabalho aqui no Oficina da Net.
Essa foi a nossa entrevista com o André "Meligeni" Leal Santos, um dos melhores shout casters de e-sports do Brasil, que tem o sonho e a convicção de um dia poder viver só deste ofício que tanto ama.
Fique ligado aqui no Oficina da Net que ainda teremos muitos artigos e entrevistas especiais falando sobre o e-sports no Brasil.
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