Você já ouviu falar em Sociedade de Controle? Parece mais uma daquelas teorias chatas, capazes de dar um nó no cérebro de qualquer um, mas, na realidade este conceito pode ser bem interessante e se encaixa muito bem no momento que estamos vivendo, além de abrir nossos olhos para possibilidades futuras. Quando falamos em Sociedade de Controle, estamos falando sobre poder, vigilância e a forma como o sistema rege muitas de nossas atitudes do dia a dia, mesmo que acreditemos que tudo o que fazemos está sob nosso próprio domínio. Mas, preparem-se... muita coisa não está!

Estamos em constante vigilância. Câmeras de segurança, redes sociais, internet, há mais dados e informações nossas circulando por aí e nas mãos de sabe-se lá quem do que se possa imaginar. Duvida? Dá uma olhadinha neste artigo especial que produzimos indicando que o Google sabe tudo sobre você.

Você pode estar pensando: Ah, Débora, eu não estou entendendo nada, uma hora tu fala sobre teoria, outra fala sobre como o Google sabe muito de nossas vidas. Ainda vem com este papo doido de que o sistema rege muitas de nossas atitudes. Só pode estar louca! Talvez. Calma, não desista deste texto por aqui porque o assunto é bem interessante, eu prometo, e tudo isto será explicado nos parágrafos seguintes.

Vamos começar entendendo o que diz o conceito de Sociedade de Controle, para compreender como ela se aplica na atualidade. Foi lá no início dos anos 90 que o filósofo Gilles Deleuze afirmou que uma nova ordem social havia se instaurado. Segundo ele, na segunda metade do século XX - após a Segunda Guerra Mundial - aconteceram mudanças ligadas ao mundo capitalista, relacionadas principalmente às inovações tecnológicas. O uso destas tecnologias para o controle social seria a mais nova expressão do exercício do poder na sociedade moderna. Em uma visão geral, os mecanismos de vigilância se aprimoraram, com a proliferação de câmaras de vídeo em muitos espaços sociais, o uso de aparelhos celulares, cartões de créditos e da Comunicação pela Internet, o que facilitou o exercício de mecanismos de vigilância cada vez mais eficientes.

Com base nesta teoria percebe-se que Deleuze acreditava que o ser humano poderia ser vigiado a todo momento. Para ele, não se faz necessário ficção científica para se conceber um mecanismo de controle que dê, a cada instante, a posição de um elemento em espaço aberto, ou de um homem em uma empresa, entre outros. Com isto a relação de poder saí de um âmbito supra-local, estendendo-se a todos os espaços da vida pública. Ou seja, o poder se faria sentir em todos lugares. Pois, se eu sei que estou ou possa estar sendo vigiado, vou reger minhas atitudes de acordo com o que é permitido na sociedade, levando como base valores e regras que aprendemos desde crianças, na família, escola e convivência em grupo, tentando não fugir disto por medo da exclusão social.

Funciona desta forma? Não exatamente assim. Caso contrário não existiriam mais crimes.  Mas na maior parte do tempo não nos damos conta de que existe sim certa vigilância e que podemos nós, neste exato momento, ser objeto de espionagem de alguma empresa, organização, governo ou até outra pessoa. Paranoia? Ficção Científica? Não, tudo isto pode estar acontecendo agora mesmo, bem debaixo do seu nariz, por esta webcam aí do seu computador, pela câmera de seu celular ou tablet, enquanto você lê este artigo, despreocupadamente.

Não é à toa que muita gente está adotando medidas para bloquear a lente e microfones de seus dispositivos eletrônicos. Fora produtos vendidos em lojas virtuais que fazem este serviço, há ainda um processo rudimentar e bem conhecido para se manter longe de olhos curiosos: colar um pedaço de papel com fita adesiva sobre a câmera do computador. O próprio diretor do FBI, James Comey, já admitiu ser adepto a técnica e recentemente o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, foi visto em uma foto, onde seu notebook de trabalho aparecia ao fundo com uma fita vedando o microfone e a webcam. Logo, não parece ser exagero adotar tal medida.

Edward Snowden está aí para confirmar. Em 2013 ele divulgou à imprensa americana detalhes do programa de vigilância PRISM, desenvolvido pelos Estados Unidos em parceria com o Reino Unido. Snowden trabalhava na época para a NSA, quando então foi informado sobre o programa de vigilância global, não concordando com a iniciativa.

O PRISM permite que os funcionários da NSA coletem dados de usuários conectados à internet. Históricos de buscas, conteúdo, troca de e-mails, transferência de arquivos, fotos, vídeos, documentos, chamadas de voz, vídeo chats, informações de redes sociais e senhas colocadas em sites são facilmente obtidos. Além disto, os funcionários da NSA conseguiam observar cidadãos comuns nas rotinas de seu dia a dia, através da webcam do computador do cidadão.

A execução do programa se daria com a participação de companhias como Microsoft, Google, Yahoo, Facebook, Apple, Skype, Youtube, AOL, Paltalk, que fornecem serviços na Internet. Do ponto de vista dos usuários, estas empresas supostamente coletavam os dados de seus usuários para promover os seus serviços por eles buscados. Elas negaram participação no programa.

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O governo norte-americano acusou Snowden de roubo de propriedade do governo, comunicação não autorizada de informações de defesa nacional e comunicação intencional de informações classificadas como de inteligência para pessoa não autorizada, mas não conseguiu comprovar que os documentos divulgados por Snowden eram falsos, pelo simples fato de que não eram. E foi somente neste ano que a autarquia americana reconheceu oficialmente o programa PRISM, muito tempo depois de ele ter sido escancarado e gerado uma pulga atrás da orelha de muita gente.

Para quem quer saber mais sobre o PRISM e como Edward Snowden conseguiu retirar dados sigilosos de dentro da NSA e leva-los até a imprensa, será lançado no cinema ainda em 2016 o filme Snowden, contando todos estes detalhes. Fiquem atentos.

"Por aqui não tem destas coisas"

Quem acha que espionagem é coisa de gringo, está enganado. Conforme reportagem do Jornal O Globo, veiculada em 2013, quando o programa PRISM veio à tona, também descobriu-se que pessoas residentes ou em trânsito no Brasil, assim como empresas instaladas no país se tornaram alvos de espionagem da NSA na última década.  A matéria ainda afirma que não há números precisos, mas em janeiro de 2013 o Brasil ficou pouco atrás dos Estados Unidos, que teve 2,3bilhões de telefones e mensagens espionados. As informações foram obtidas diretamente dos documentos coletados por Snowden, nos quais O Globo teve acesso.

Além disto, conforme a ONG Safernet divulgou recentemente à Folha de São Paulo, qualquer câmera num dispositivo com acesso à internet é vulnerável a uma invasão hacker, o que muda é o grau de complexidade desta invasão.

As câmeras de segurança privadas e babás eletrônicas são as mais suscetíveis a invasões porque costumam ser protegidas por senhas fáceis. Não é raro encontrar pessoas que não mudam as configurações de senha padrão de fábrica, exemplo 123456.

Não está convencido das chances e perigos de ter seus dispositivos eletrônicos invadidos por um estranho? Em janeiro, o departamento de questões ligadas ao consumidor de Nova York emitiu um alerta aos pais para que adotassem precauções, após receber diversos relatos de estranhos invadindo monitores das crianças e até conversando com elas durante a noite. E não era um poltergeist, mas é tão assustador quanto, não?

Como se proteger

A primeira dica não é novidade a ninguém, embora às vezes deixamos de lado: senhas fortes. Quanto mais complexa, o que significa conter números, letras e símbolos (quando permitido), maior será a chance de se estar protegido. Também é interessante configurar o roteador para que o Wi-Fi fique oculto e utilizar uma senha difícil para a rede. Você pode utilizar o site howsecureismypassword.net como forma de avaliar a "força" do seu código.

As invasões em computadores e tablets costumam ocorrer do mesmo modo que uma infecção por vírus: por meio de downloads de programas mal-intencionados. Mantenha sempre o antivírus, o antispyware e o firewall atualizados e ativos. Nos smartphones as invasões costumam ocorrer por meio de aplicativos com acesso à câmera e ao microfone. Então, evite baixar apps fora das lojas oficiais. Não clique em links, sem se certificar com a pessoa que o enviou se é confiável. Cuide com as correntes e promoções que circulam no WhatsApp e Facebook, por exemplo. Ainda, faça como o diretor do FBI e o CEO do Facebook. Tampe sua câmera com um papel adesivo, não custa né?

Caso você desconfie que seu gadget foi invadido, procure algum órgão especializado, como a Safernet ou a Polícia Civil.

Não para por aí...

Não é apenas a NSA que é capaz de coletar diversas informações sobre você e te observar enquanto você dorme ou realiza outras atividades do cotidiano. Reportagem feita pelo Wall Streat Journal revelou que o FBI pode controlar remotamente smartphones Android. Isto quer dizer que eles conseguem ativar câmeras e microfones, acompanhar conversas e ler tudo o que acontece no aparelho, se assim desejarem.

A reportagem também cita que a agência ainda consegue hackear qualquer gadget, o que segundo o FBI é utilizado para investigar casos de pornografia infantil, crime organizado e casos de terrorismo. Ao ligar o microfone do celular, por exemplo, eles conseguem ouvir tudo o que está se passando no recinto.

Não são apenas dispositivos Android que podem ser hackeados pelo FBI. Recentemente foi notícia em diversos veículos de comunicação o embate entre o FBI e a Apple. A agência entrou na Justiça solicitando que a Maçã permitisse acesso a um iPhone que estava sendo investigado em um caso terrorista. Porém, esta foi mais uma atitude ética, pois o FBI tinha todos os meios e ferramentas para invadir o telefone em questão. Tanto que mesmo sem ajuda da Apple, o FBI relatou recentemente que obteve sucesso em hackear o aparelho.

O poder de vigilância do FBI ganhou ainda mais força quando na semana passada, dia 22 de junho, nos EUA, uma decisão judicial deu liberdade para que a agência colete informações de suspeitos, como seu comportamento online, histórico de navegação, endereços de IP, atividades em redes socais, e-mails, sem precisar uma ordem judicial específica para tais atividades.

Segurança

Mesmo que tais programas visem a segurança da população e possam ser eficientes em casos de investigações de crimes, sendo muito úteis para chegar até suspeitos, há uma questão ética muito grande que permeia o assunto. O direito da privacidade. Além disto, quem garante que tais ferramentas serão utilizadas apenas com suspeitos de crimes? Em 2013, documentos revelaram que funcionários da NSA estavam utilizando o PRISM para questões pessoais, como por exemplo espionar pessoas ligadas aos seus interesses amorosos, cônjuges, entre outros.

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A espionagem de massa fere as liberdades civis, que garantem sua liberdade de consciência, de expressão, de segurança e a privacidade. No caso do PRISM, um número incontável de pessoas inocentes foram colocadas sob vigilância constante de agentes do governo americano.

Fora programas de espionagem da NSA, do governo americano, do FBI e da ação de hackers, há outra forma de vigilância para quem costuma interagir na internet. Absolutamente tudo o que você pesquisa em rede fica armazenado. Quer uma prova? Quantas vezes após você pesquisar por um produto na internet, dias depois ele começou a aparecer com frequência em sua tela, como sugestão de compra? Este é apenas um modelo de como seu rastro de navegação é utilizado para o lucro das empresas e o quanto elas sabem sobre sua pessoa.

Afinal, parece que Deleuze não estava errado ao falar que na sociedade moderna as pessoas passam a ser vigiadas com o auxílio da tecnologia, sem saber ao certo em que momento isto pode estar acontecendo, ou de onde vêm esta vigia.

Um filme bacana para pensar mais sobre como a dúvida entre estar sendo vigiado ou não pode permear nossas atitudes do dia a dia é o Violação de Privacidade (The Final Cut), com o Robin Williams. Deixo aqui como dica.

E no futuro, como será? Será que estes mecanismos serão cada vez mais aperfeiçoados e viveremos sob vigia constante? Nos adaptaremos a tal situação a ponto de que isto se torne algo completamente natural? Com isto teremos mais segurança? Quem sabe...