Há alguns anos a internet das coisas causou um pequeno boom no mundo da tecnologia ao prometer revolucionar as nossas vidas e incorporar tecnologia aos campos mais inesperados do dia a dia, desde roupas smart até lâmpadas e eletrodomésticos que oferecem uma gama de possibilidades e ainda aprendem com nossos usos diários. Porém, a coisa (ainda) não despontou como era previsto.
É inegável que cada vez mais as geladeiras e fogões estão inteligentes e as casas estão equipadas com assistentes virtuais, mas quem viu o buzz da IDC lá por 2015 sabe que ele não explodiu como deveria. Ou pelo menos não explodiu para nós humanos.
Isso mesmo, não deu para nós humanos, mas para outros seres vivos a internet das coisas vai de vento em popa. Há anos que as organizações de preservação da vida selvagem experimentam novas tecnologias no intuito de encontrarem aquela que seria a ideal para ajudá-los no monitoramento e proteção das espécies ameaçadas de extinção, principalmente em grandes áreas, até que, finalmente, eles parecem ter encontrado o que procuravam.
Assim nasceu o casamento perfeito. Várias organizações estão usando internet das coisas para levantar dados sobre os animais e entregá-los até os guardas florestais que assim poderão interceptar os caçadores ilegais antes que eles cometam os seus crimes.
E qual o melhor lugar para encontrar animais ameaçados de extinção e grandes áreas a serem monitoradas? A África, é claro, onde o comércio ilegal de animais leva perigo a diversos animais, como rinocerontes, elefantes, macacos e até leões. É de lá que vem as boas notícias.
O que se tem feito até hoje e como a IDC está revolucionando
O uso da tecnologia para parar a caça ilegal não é nova. Medidas como a da operadora de celular britânica Vodafone, que usa IDC para ajudar na conservação das focas escocesas e dos dugongos ameaçados de extinção nas Filipinas, já são conhecidas e mostram ótimos resultados, mas quando se trata de empregar estes meios na África, a tarefa é um pouco diferente.
O continente é gigantesco, com animais de grande valor no mercado negro (o chifre do rinoceronte é mais caro do que ouro), não possui infraestrutura adequada para grandes topologias de redes e conexões e os caçadores são extremamente furtivos. Por isso uma mãozinha qualificada para proteger os animais é mais do que bem-vinda.
E a ajuda chegou na hora certa, os rinocerontes que o digam. Enquanto que o rinoceronte negro se recuperou da quase extinção em 1995 dobrando sua população de menos de 2.500 animais para aproximadamente 5.000, hoje, o Rinoceronte Negro Ocidental foi declarado extinto em 2011 e o último Rinoceronte-branco-do-norte morreu em março deste ano no Quênia. As previsões também não são nada animadoras: Segundo as estimativas, cerca de três rinocerontes morrem nas mãos de traficantes de chifres por dia na África. Se o ritmo continuar, os rinocerontes serão extintos do planeta até 2025.
Os rinocerontes, claro, não são únicos que precisam de ajuda. Os elefantes, por exemplo, tiveram sua população diminuída em cerca de 30% na savana entre 2007 e 2014; uma perda de 144.000 animais - 1 elefanta morto a cada 14 minutos!! Os dados são do Great Elephant Census (GEC), uma pesquisa conduzida pela Vulcan Inc. (empresa filantrópica criada por Paul Allen, cofundador da Microsoft) que vasculhou todo o continente africano atrás dos mamíferos. Os dados mostram ainda que a taxa de declínio da população de elefantes é de 8% ao ano e os caçadores de marfim, é claro, são a principal razão desta matança.
Mas ao menos uma boa notícia depois desses dois parágrafos e daquela imagem de cortar o coração e causar depressão em qualquer um: a tecnologia de redes e sensores, em combinação com as análises, agora oferece maneiras de acompanhar as populações destes animais de perto e interceptar qualquer ameaça aparente.
De maneira geral o processo consiste em conectar sensores à nuvem (seja ela pública ou privada) através de redes de baixa potência e fazer com que esses "patrulheiros tecnológicos" passem a entregar informações essenciais sobre as atividades humanas que forem detectadas na área onde vivem os animais protegidos. Com estes dados e alertas em mãos os patrulheiros (de verdade, dessa vez) chegam rapidamente até os caçadores antes que eles possam causar danos.
De maneira específica temos dois projetos de grande sucesso e que vamos conhecer agora.
A ajuda vem de cima
Há alguns anos que o programa Air Shepherd mantido pela The Lindbergh Foundation usa uma combinação de drones e dados analíticos em um experimento na África do Sul para proteger os rinocerontes e elefantes.
Os dados captados pelos sensores dos drones são submetidos a um processamento inteligente que constrói um modelo do comportamento habitual dos animais ao redor e dentro da área monitorada. A partir de então, se alguma movimentação anormal - com base nos padrões - for detectada nos rinocerontes ou se alguma aproximação suspeita de humanos ocorrer, os drones são colocados no ar para mostrar aos guardas florestais, em tempo real, o que está acontecendo no local suspeito.
Embora tenha alguns pontos negativos, como a exigência de pilotos bem treinados e o fato de, às vezes, estarem fazendo voos de rotina e não conseguirem atender a um alerta de perigo, a Air Sheppard já salvou impagáveis vidas. Com tamanho sucesso eles já conseguiram expandir o programa de proteção para o Malawi, África do Sul e Zimbábue através de financiamento coletivo. Os próximos locais são Botsuana, Moçambique e Zâmbia.
Proteção fashion
Uma outra iniciativa bastante promissora vem da parceria entre Universidade de Wageningen, na Holanda, e a IBM que pretendem ajudar os rinocerontes da Reserva de Animais Welgevonden, também na África do Sul, com o mínimo de intervenção possível no seu dia a dia. Dessa forma eles não se propõe a rastrear diretamente os rinos, mas sim o que está no seu entorno. Por exemplo, suas presas.
O plano é colocar um colar (que está em desenvolvimento) nos rebanhos de herbívoros da reserva, como zebras, impalas e gazelas, e então observar os hábitos de caça dos rinocerontes. Ao avaliar as variações em seus movimentos será possível identificar padrões anormais de comportamento que indiquem os diferentes tipos de contato que eles podem ter, como predadores naturais, turistas ou caçadores ilegais.
Após capturados, os dados serão transmitidos via 3G dos colares até o sistema Watson da IBM que opera na nuvem - o Watson é um dos sistemas de inteligência artificial mais avançados do mundo - e está sendo treinado para identificar a rotina dos animais.
Embora a solução IBM Watson tenha sido eficaz até o momento, ela tem um ponto negativo complicado de ser totalmente resolvido: Ela é dependente de uma conexão constante com a nuvem, o que é um problema em grande parte da África, especialmente em áreas de vida selvagem - onde só há as lentas conexões por satélite e uma ou outra torre de celular que não consegue dar conta do recado. Uma saída seria usar as próprias redes sem fio privadas que estivessem ao alcance para formar um backbone, o que não resolveria o problema totalmente já que, ainda assim, seria necessário algum tipo de conexão final para que os dispositivos de IDC nos animais "conversassem" com o sistema baseado na nuvem.
O melhor de todos
E por fim a iniciativa campeã até agora: O Connected Conservation, um programa patrocinado pela Dimension Data e pela Cisco, a maior fabricante de equipamentos de redes e conexões do mundo.
Lançado em 2015, o programa tem usado a internet das coisas para rastrear pessoas próximas e dentro do perímetro de uma reserva particular de rinocerontes na África do Sul (cujo nome é secreto por motivos de segurança). Com técnicas de câmeras de segurança, escaneamento biométrico, sensores de movimentação no chão, mapas de calor do ambiente, drones e uma rede de rádio fixa o programa tem dado certo e se prepara para expandir para outras áreas de conservação em todo o continente.
No Connected Conservation o Google Analytics é quem gera os alertas com base nos padrões de atividade detectados e os envia aos guardas florestais que se deslocam até o perímetro para interceptar intrusos. Aqui a única parte na nuvem é um servidor local que se conecta aos serviços do Azure da Microsoft para fazer backup de dados críticos regularmente. Fora isso todo o sistema é operado localmente.
As empresas projetam agora uma solução de segurança para a reserva. Um dos primeiros componentes - instalado em dezembro de 2015 - foi uma nova rede baseada em rádio ponto-a-ponto que tem velocidade de 50 mbps e usa torres instaladas nos limites do parque para cobrir todo o perímetro e funcionar como um backbone que compartilha alertas de vídeo, sensores e comunicações por voz. Wolf Stinnes, engenheiro da Dimensions Data, disse que, além de uma conexão irregular, o maior desafio até hoje foram as chuvas torrenciais, raios e relâmpagos, junto com o calor.
Além do backbone da rede de rádio, a Cisco e a Dimension Data instalaram redes locais com fio em cada um dos quatro portões de veículos da reserva, câmeras de monitoramento, scanners biométricos e sensores nos portões. Além disso, uma rede sem fio foi implantada em toda a reserva para fornecer Wi-Fi seguro no parque e dar aos guardas acesso móvel aos dados.
A reserva ainda está conectada a uma rede de longa distância sem fio no padrão LoRa. Tal padrão de conexão é otimizada para dispositivos de baixa potência, o que faz com que os sensores possam operar com baterias por anos a fio e se comunicar distâncias de até 15 km. Consequentemente, sua taxa de transmissão é baixa, 27 kbps, mas o que não é problema para uma rede que manipula a taxa de dados da telemetria de um sensor, por exemplo. Outras ferramentas do sistema incluem câmeras térmicas ligadas em rede e instaladas ao longo do perímetro da reserva e sensores acústicos de fibra ótica.
Aqueles que entram em um veículo, além de terem um rastreador acoplado, têm suas placas "lidas" pelas câmeras de segurança; o sistema usa uma conexão VPN para bater essa informação em um banco de dados nacional e saber quem possui os veículos e o histórico de suas visitas. Com a modelagem preditiva de dados a equipe de análise pode estimar quando um indivíduo ou veículo deve sair da reserva", disse Stinnes; se ele não sair no tempo planejado um alerta é emitido e ele é verificado.
E não é só com os veículos: Toda pessoa que passar pelos portões é rastreada. Os sistemas biométricos leem as impressões digitais de funcionários, guardas florestais, cuidadores de animais e fornecedores; já os visitantes têm seus passaportes escaneados.
E se em algum lugar do parque um sensor captar um dado que gere um alerta de anormalidade e indiquem uma possível violação do perímetro, drones podem ser despachados para os locais de alerta para captar imagens em tempo real do que está acontecendo enquanto uma equipe armada segue de helicóptero para interceptar os possíveis caçadores. O novo sistema de alerta diminuiu o tempo médio de resposta dos guardas de 30 para apenas sete minutos.
Após toda essa tecnologia de ponta temos a certeza de que todo o processo precisou de muito estudo e muito investimento; mas não tenha dúvidas de que todo esse esforço já se pagou. Desde 2015, houve uma redução de 96% no número de rinocerontes mortos na reserva, sendo que no ano de 2017 nenhum deles foi pego por caçadores. Quanto às invasões no perímetro, houve uma redução de 68%.
Upgrade para a versão 2.0
Com esse sucesso que supera a melhor das expectativas o programa Connected Conservation quer, agora, expandir sua experiência e conhecimentos para parques e reservas em Moçambique, Zâmbia e Quênia, cada qual com suas ameaças e características específicas; o que faz com que a tecnologia precise se adaptar a cada realidade. No Zâmbia e Moçambique, por exemplo, o foco deve ser nos rebanhos de elefantes, que estão sendo dizimados em uma velocidade maior do que em qualquer outro lugar da África.
O escolhido para receber essa ajudinha tecnológica foi um parque zambiano - sem nome divulgado também. Como um todo, as manadas de elefantes no país são, em geral, relativamente estáveis: de uma população de 21.758 animais em 2016, a "proporção de carcaça" foi de apenas 4,2% (assim é chamada a proporção de elefantes mortos para elefantes vivos monitorados por levantamento aéreo), porém há alguns lugares que a matança é assustadora. Por exemplo, ao longo do rio Zambeze e no Parque Nacional Sioma Ngwezi, na fronteira sudoeste do país onde, neste último, o levantamento apontou uma taxa de carcaça de 85%, ou seja, 17 elefantes mortos para cada três encontrados vivos.
O que se sabe sobre este parque secreto que receberá ajuda é que ele terá que lidar com um outro agravante local: a água, e não a falta dela, mas sim a grande quantidade. O local possui um grande lago em seu interior que, além de ser usado para a pesca pelas pessoas que vivem no seu entorno, também é caminho de entrada para caçadores.
Nesta situação, uma cerca física ao longo de todo do parque é impossível. A solução será usar uma rede de câmeras térmicas fixas montadas em mastros de rádio como se fosse uma cerca virtual - além das habituais câmeras nos portões de entrada e saída. Os dados das câmeras térmicas serão colocados em análise e resultarão em um modelo sempre atualizado que identificará padrões de movimento do que acontece nas vias fluviais dentro e próximo ao parque. Se necessário será gerado um alerta automático para barcos suspeitos ou qualquer cruzamento noturno que adentre o perímetro.
Os alertas serão recebidos em um centro de controle montado em uma unidade especial de guarda marinha do Zâmbia, que poderá enviar lanchas para interceptar os caçadores. Para não prejudicar os pesquisadores que necessitam do lago para a sobrevivência, uma outra medida que está sendo desenvolvida é o cadastro e identificação eletrônica dos mesmos, já que muitos caçadores se passam por barcos pesqueiros para entrar no parque.
Um modelo escalável?
A cereja no bolo virá com o tempo, já que a Dimension Data e a Cisco têm planos ambiciosos para estender a Connected Conservation para muito além da preservação de rinocerontes e elefantes. O objetivo final é eliminar todas as formas de matança e contrabando de animais em situação vulnerável através de dispositivos IDC e outras tecnologias, como tubarões, tigres asiáticos e demais espécies ameaçadas de extinção.
Mas claro que isso exigirá muito mais que o empenho de apenas duas empresas. Além da vigilância humana constante, precisarão ser feitos acordos com diversos países e milhares de pessoas terão de ser deslocadas para ambientes remotos.
Alguns casos de sucesso não são suficientes para garantir que conseguiremos salvar todas as espécies ameaçadas de extinção, mas se nos basearmos nos resultados até o momento já temos o suficiente para nos mantermos otimistas quanto ao futuro. Se a internet das coisas ainda não mudou nossas vidas, que ela continue mudando a vida dos animais ameaçados de extinção.
Para saber mais: IBM, Ars Technica, YouTube, The IoT Magazine, IoT Dunia
Deixamos também o nosso podcast sobre Internet das Coisas:
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